Convicção na virada alimentou cada minuto da campanha de Bolsonaro
Era noite de 2 de outubro quando Jair Bolsonaro (PL) deixou o Ministério da Defesa, onde acompanhara a fiscalização paralela dos militares da apuração de votos feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que acabou com ele em segundo lugar, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presidente decidiu dar uma entrevista, a primeira aparição após saber que voltaria às urnas no dia 30. O que disse a seguir definiu a estratégia em busca da virada no segundo turno.
Por seis minutos, afirmou que o voto fora em grande parte motivado pelo aumento dos preços dos produtos da cesta básica. Não contestou o resultado. Procurou explicá-lo e compreendê-lo, sem jogar a toalha. “Entendo que tem vontade de mudar, mas tem certas mudanças que podem ser para pior.”
Bolsonaro se esforçou para mostrar as dificuldades e para alertar que a alternativa era perigosa.
“Vamos mostrar a Argentina e a Venezuela também.” Buscava mobilizar o medo da mudança, que os cientistas políticos dizem ajudar o candidato à reeleição. Para tanto, sabia que tinha de mostrar resultados do governo, pois este é outro fator que o eleitor leva em consideração: o que o presidente que busca a reeleição fez?
“Temos dados positivos.” Para exibi-los, tinha prazo de quatro semanas. Sabia que a tarefa não era fácil. “Existe o sentimento na população que a vida dela não ficou igual ao que estava antes da pandemia. Ficou pior. E a tendência é buscar o responsável; e o responsável é o chefe do Executivo.”
ATAQUES. Bolsonaro atacou as pesquisas. “Elas estão desmoralizadas.” Nos dias seguintes, seus aliados tentaram aprovar uma lei que criminalizava as “pesquisas erradas”. Por fim, o presidente enumerou o que sua candidatura representava: família, legítima defesa e a defesa da liberdade. “E, do outro lado, a negação disso tudo.”
Bolsonaro apostava em uma campanha que uniria os métodos tradicionais – comícios, propaganda na TV e apoios políticos – com a atuação nas redes sociais, a parte digital que seus apoiadores consideram ser a mais importante razão de sua vitória em 2018. Havia a expectativa de que a virada se concretizaria. Afinal, a diferença para Lula nas urnas fora só de cinco pontos porcentuais.
Em quatro anos, o capitão reformado do Exército e ex-deputado federal deixara de ser, para a oposição, o fantasma que rondava o Planalto para se tornar o perigo que habita o palácio. Contra ele se uniram adversários das últimas décadas, como Fernando Henrique Cardoso e Lula. Mas, no começo da campanha do segundo turno, a oposição parecia desorientada.
Já o núcleo duro da campanha de Bolsonaro esbanjava confiança. Foi integrado à comunicação o marqueteiro Alan Barros, que passou a atuar ao lado de Duda Lima, nome de confiança de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL. Desafetos nos tempos de governo, Fabio Wajngarten e Fábio Faria consolidaram uma aliança e, nas semanas finais, assumiram com mão de ferro a estratégia de comunicação.
Queriam reformular a campanha no rádio e na TV. O tom “propositivo” e moderado soou elitizado no momento em que os adversários usavam “artilharia pesada”. A campanha optou pela ofensiva ao mesmo tempo que o candidato se mantinha moderado. Chegou a brincar com os jornalistas que o entrevistavam.
CLIMA. O que ninguém previa é que a oposição aprendera a usar as mesmas armas que Bolsonaro nas redes sociais. Entre os dias 15 e 16 de outubro, surgiu em perfis lulistas o primeiro golpe: um vídeo no qual o presidente dizia a frase “pintou um clima”, ao tratar de jovens venezuelanas de 14 anos, que avistara na periferia de Brasília.
Bolsonaro supunha que elas estavam se prostituindo. Em pouco tempo, o deputado federal André Janones (Avante-MG) e a presidente do PT, Gleisi Hoffman, espalhavam a história – eram meninas que participavam de uma ação social patrocinada por uma entidade.
A campanha acusou o golpe. Bolsonaro fez uma live na madrugada do dia 16, um domingo, para desmentir o assédio às garotas. “O PT recorta pedaços como se eu estivesse atrás de programas. Que vergonha é essa? Sempre combati a pedofilia.” O caso atingiu a base bolsonarista mais leal: os evangélicos. E ampliou a rejeição entre as mulheres. A campanha convocou a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) para defender o candidato.
Depois, veio o momento de maior desgaste, segundo integrantes da campanha: o vazamento da intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desatrelar o salário mínimo da inflação. O caso foi classificado como “desastroso”.
O presidente, apesar disso, mostrava-se sorridente e confiante. Seu humor só mudou com os tiros e granadas lançados pelo ex-deputado Roberto Jefferson em direção aos agentes federais que foram prendê-lo. Bolsonaro tentou evitar o estrago com um vídeo, chamando o aliado de bandido.
No dia seguinte, Fábio Faria convocou uma entrevista para denunciar que rádios não estariam exibindo a propaganda eleitoral de Bolsonaro. Dias depois, reconheceu que era obrigação do PL fiscalizar as rádios, e não da Justiça Federal. E revelou que bolsonaristas tentaram usar o caso para adiar as eleições. O TSE arquivou a denúncia e abriu investigação para apurar crime eleitoral.
O presidente chegou às urnas com essa derrota na Justiça, atrás nas pesquisas e em meio a acusações de que empresários – seus apoiadores – estavam assediando trabalhadores por votos. Mesmo assim, Bolsonaro mantém a crença de que vencerá, apesar de tudo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.