Bolsonaro pendurou bandeiras do Brasil em palácios sem autorização do Iphan
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, determinou que fossem penduradas duas bandeiras nacionais nos palácios do Planalto e da Alvorada. A instalação foi feita sem aval prévio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O governo violou decreto em vigor desde 1937 que exige consulta e autorização antes da instalação de equipamentos nos palácios. Os dois prédios são tombados e não podem ter seu aspecto descaracterizado.
O presidente adotou a bandeira do Brasil como símbolo de sua campanha eleitoral contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma das bandeiras de grandes dimensões foi arrastada nesta sexta-feira, dia 21, por fortes ventos que bateram na fachada do Palácio do Planalto e as imagens foram compartilhadas nas redes sociais. Funcionários da Presidência da República tiveram que remover a bandeira, que ficou caída e parcialmente pendurada pela marquise do edifício.
As instalações das duas bandeiras ocorreram nas noites de sexta-feira, dia 14, no Palácio do Planalto, e de sábado, dia 15, no Palácio da Alvorada. Bolsonaristas publicaram vídeos e fotos nas redes sociais. “A nossa bandeira jamais será vermelha”, escreveu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador da campanha do pai, em alusão ao símbolo do PT.
Apesar da instalação irregular há uma semana e de uma das bandeiras já ter despencado e ficado pendurada pela ponta, o Iphan ainda não avaliou riscos e potenciais danos aos palácios. Tampouco determinou a remoção.
A Presidência só formalizou um pedido de autorização para intervenção nos palácios no dia 18, última terça-feira, depois de o Estadão solicitar esclarecimentos. O documento, assinado por Clóvis Félix Curado Junior, secretário especial de Administração, só chegou à autarquia um dia depois, na quarta-feira, 19.
No ofício, Curado Jr tenta desvincular o ato das atividades de campanha eleitoral, e afirma que as bandeiras foram penduradas como “continuidade” das comemorações do bicentenário da Independência, celebrado em 7 de Setembro. Além disso, informa que são também homenagens à Proclamação da República, em 15 de novembro, e ao Dia da Bandeira Nacional, em 19 de novembro.
Segundo o Iphan, a Secretaria Geral da Presidência disse que as bandeiras devem permanecer distendidas até o Dia da Bandeira. Desde sábado, dia 15, a reportagem questionou reiteradamente por telefone e por e-mail o Iphan, órgão responsável pela fiscalização dos bens tombados, e a Presidência da República. Não houve resposta.
A presidente do Iphan, Larissa Peixoto, também foi procurada, mas não quis se manifestar. Servidora de carreira, ela é abertamente bolsonarista e faz campanha pelo presidente nas redes sociais.
A Superintendência do Iphan no Distrito Federal disse que exigiu documentos à Presidência da República, contento “projeto da intervenção e/ou memorial descritivo, contendo, no mínimo, desenhos da intervenção, dimensões, posicionamento, forma e local de fixação”. Segundo o órgão, esses documentos “ajudarão a avaliar o impacto físico ao bem. A partir dessa avaliação, poderá ser determinada a recuperação de eventuais danos à fachada ou cobertura, caso sejam constatados”.
Questionado se determinaria a retirada das bandeiras pelo descumprimento das regras, o Iphan disse que “solicitou na data de hoje (quinta-feira, dia 20), complementação de informações imprescindíveis para análise, a fim de avaliar o impacto físico ao bem e manifestar-se conclusivamente”. A autarquia confirmou que a punição prevista no decreto era determinar a retirada das bandeiras e impor multa de 50% o valor delas.
Os palácios do Planalto e da Alvorada são bens da União que devem ser preservados. Eles integram o tombamento do Conjunto de Obras do Arquiteto Oscar Niemeyer. O ato inclui outros edifícios da administração federal. Desde 1987, o conjunto arquitetônico e urbanístico de Brasília, que inclui os palácios, é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
As normas legais vigentes impedem alterações nas características palácios. O objetivo é preservar a memória nacional. Mesmo para intervenções temporárias, como a instalações de equipamentos publicitários, o Iphan exige autorização prévia. A autarquia pede o envio de detalhes como a local de instalação, dimensões e descrição do material. Faixas e banners colocados nas fachadas com o objetivo de fazer propaganda se enquadram como “equipamento publicitário”. São intervenções alterações no aspecto físico, nas condições de visibilidade e de ambiência.
Em ato de campanha, Bolsonaro assumiu para si a ordem de instalação da bandeira. Durante uma entrevista com apoiadoras em Minas Gerais, disse que ninguém mandaria que fosse retirada do palácio. Segundo o presidente, foi usada uma bandeira antiga, que ficava hasteada na Praça dos Três Poderes, e já havia sido substituída.
“Hoje (sexta-feira, 14) pedi que aquele bandeirão que existe lá, mandei pegar uma usada, enorme, não sei quantos metros tem aquilo, e mandei colocar lá no Alvorada, que é a minha casa. Acho que ninguém vai ter coragem de dizer ‘retira daí que eu vou te dar uma multa de não sei quantos (reais) por dia. É a nossa bandeira do Brasil”, afirmou Bolsonaro, em tom desafiador.
Precedente
Em 2004, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia mandou criar novos canteiros em forma de uma estrela com flores vermelhas no jardim do Palácio da Alvorada, remetendo ao símbolo do PT. Na ocasião, a assessoria da Presidência informou que o canteiro havia sido uma iniciativa “dos próprios jardineiros” contratados pelo governo do Distrito Federal. O então porta-voz do governo de Brasília, Paulo Fona, no entanto, negou esta versão e declarou que “a Novacap (empresa responsável pela administração da capital) só fazia o que determinava a primeira-dama”.
Durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, militantes de movimentos estudantis e sociais ligados ao PT e partidos de esquerda instalaram uma série de bandeiras, faixas e cartazes nas vidraças do Planalto, em protesto contra o processo. Os materiais, porém, foram afixados por dentro das janelas, durante uma “ocupação” que ameaçavam fazer.