Candidato desde 1ª live bateu no teto das redes e sucumbiu ao marketing
Era 7 de março de 2019, quando Jair Bolsonaro apareceu pela primeira vez no Facebook, transmitindo ao vivo de Brasília. “Em Brasília, 19 horas”, disse o presidente, como se anunciasse A Voz do Brasil. Começava ali a campanha de 2022, com lives semanais nas quais tratava da criação de tilápia a ameaças à eleição caso o Congresso não adotasse o voto impresso. Desde então, fez 186 transmissões, reunindo 135 horas ou cinco dias e meio contínuos de imagens que contam a história do governo e a aposta na reeleição.
As transmissões eram a forma para manter o contato direto com eleitores, enquanto no Palácio do Planalto uma parte dos assessores buscava a institucionalização do poder, como se a cadeira presidencial pudesse moldar o comportamento de Bolsonaro. Logo as frustrações apareceram. Generais como Carlos Alberto dos Santos Cruz e Otávio Rêgo Barros perderam espaço e foram ultrapassados pelo gabinete do ódio, o grupo de jovens auxiliares do Planalto assim batizados por um ministro em razão do estímulo que davam aos piores rompantes do chefe.
Bolsonaro tinha então como alvo preferido o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O general Luiz Eduardo Ramos, então comandante militar do Sudeste, foi quem lhe abriu os olhos, em uma visita ao Estado, para o perigo representado pelo tucano. Quando surgiu a pandemia, em 2020, a animosidade de Bolsonaro já existia e ia além da discussão sobre decretar ou não lockdown ou usar ou não máscaras de proteção. “Não quero ser tratado como mito, Messias ou herói nacional, mas quero respeito”, reclamava Bolsonaro.
Na época, as lives reuniam em média 3,1 milhões de visualizações. Com o tempo, o presidente foi registrando queda de audiência, algo que só foi interrompido quando Bolsonaro ameaçou uma ruptura institucional, em setembro de 2021. Em 2022, o público médio dos vídeos caiu para 477 mil pessoas.
O uso das redes sociais que ajudou a levar Bolsonaro à vitória em 2018 tinha limites, assim como a pauta anticorrupção, sacudida desde que o ex-juiz Sérgio Moro deixou a Esplanada, acusando o chefe de interferir na Polícia Federal. A pandemia avançou. Bolsonaro se engalfinhava com Doria enquanto outro adversário ressurgia: Luiz Inácio Lula da Silva, que saiu da prisão e passou a ser elegível novamente.
MUDANÇA
Foi de olho na presença de Lula e na insuficiência das redes que Bolsonaro resolveu ter neste ano uma campanha profissional e mais bem estruturada. Entregou o núcleo de comunicação à coordenação do filho Flávio e do marqueteiro Duda Lima. Concedeu-lhes ainda mais acesso ao Palácio do Planalto e a seu gabinete após a chegada do ex-secretário Fabio Wajngarten.
Com apoio do candidato a vice, general Walter Braga Netto, esse time convenceu o presidente de 67 anos a moderar o discurso no 7 de Setembro, a reduzir os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a procurar a se apresentar com uma versão “paz e amor” no horário eleitoral. Bolsonaro se desculpou pela frase “não sou coveiro”, dita ao ser questionado sobre as vítimas de covid-19. “Dei uma aloprada na pandemia.”
O empresário Otávio Fakhoury, um dos mais fiéis apoiadores, notou a diferença. “A campanha agora tem uma aparência mais profissional do que em 2018. Desta vez, teve coordenador e marqueteiro. Teve vez também o componente da Michelle (Bolsonaro), que foi quase protagonista e ajudou a tirar o estigma de misoginia (do presidente).”
ACUSAÇÕES
Mas nem tudo mudou. Aliado ao gabinete do ódio, o vereador Carlos Bolsonaro ficou de fora deste núcleo e cuidou de forma independente das redes sociais. Em vários momento,s entrou em choque com o irmão mais velho. Dobrou a aposta nos ataques ao sistema eleitoral e ao PT. Em outra frente, articulou uma narrativa para mostrar o presidente como alguém perseguido pelo sistema.
Ressurgiram a contestação das urnas eletrônicas e os conflitos com a Justiça Eleitoral. “O presidente é vítima de fake news. Não acreditamos nas pesquisas, que são direcionadas. Há fortes indícios de fraude arquitetada para dar um golpe. Existem urnas que foram manipuladas”, disse ao Estadão Frederick Wassef, advogado do presidente e candidato a deputado federal.
Na última quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes reagiu e mandou investigar as acusações do partido do presidente contra as urnas.
O que poucos próximos do presidente admitem é que os números lhe são desfavoráveis. Os bolsonaristas sentiram o golpe da campanha “vira voto” que mobilizou dezenas de artistas e celebridades em defesa de Lula nas redes sociais. “Estava dando uma olhada nas redes sociais, como sempre faço de manhã, e estou chocado. A declaração de alguns artistas falando de esperança, e de juristas também. E a opinião covarde de jornalistas. Vamos votar pesado no presidente Jair Bolsonaro”, disse o ex-secretário da Cultura Mário Frias.
Para tentar rebater o apoio de artistas como Xuxa, Angélica, Bruna Marquezine e Caetano Veloso, a campanha de Bolsonaro foi atrás de celebridades. Obteve o apoio de Neymar e de Ratinho – o astro do SBT disse que vai votar usando a camiseta da seleção brasileira. Exposto em quatro anos, o projeto de reeleição entregou às vésperas do primeiro turno a imagem desgastada de um presidente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.