• Em ‘Athena’, violência em tom de tragédia grega

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  • 28/09/2022 08:04
    Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

    Nos primeiros 15 minutos de Athena, filme do francês Romain Gavras que estreia nesta quarta, 28, na Netflix, o espectador é colocado no meio de um protesto que começa em uma delegacia de polícia e segue, quilômetros adiante, em um conjunto habitacional nos subúrbios de Paris, onde adolescentes filhos de imigrantes se organizam para resistir à chegada da tropa de choque.

    É uma abertura daquelas que vibram e fazem o público quase sentir o calor e o cheiro de fumaça. E que provoca uma pergunta: mas como diabos eles fizeram isso? Pelo menos, foi o que passou na cabeça das centenas de jornalistas presentes à sessão de imprensa do último Festival de Veneza, onde o longa estava em competição.

    “Eu não tinha cabelos brancos antigamente”, disse Gavras em entrevista com a participação do Estadão, em Veneza. Apresentado em 2022, muita gente diria: é computação gráfica. Mas não. “Eu não gosto de CGI, de tela verde. Queria fazer de verdade, é muito mais divertido”, disse o diretor. “Acredito que o público percebe quando há perigo de verdade e quando a câmera faz coisas que só podem ser CGI.” Ele tem razão. Em nenhum momento dá para duvidar de que aquilo ali esteja acontecendo.

    Gavras, a equipe e o elenco – encabeçado por Dali Benssalah, no papel do policial Abdel, e Sami Slimane, como Karim, irmão dele e líder da revolta -, fora as centenas de figurantes, ensaiaram exaustivamente durante semanas. Há carros, motos, fogos de artifício, balas cenográficas. E a cena inicial dá a impressão de ser um longo plano-sequência – não é, mas as tomadas eram realmente compridas.

    Movimento

    Isso obrigava os operadores, por exemplo, a entrar por uma porta do camburão da polícia, sair por outra, passando a câmera a outro operador, desconectando a Steadicam, carregando-a na mão, subindo em uma moto, passando-a a outra pessoa que a conecta a um drone. Para complicar, o filme foi rodado em IMAX, com uma câmera gigante, “do tamanho de um refrigerador”, como disse Gavras.

    A ideia do filme partiu de uma conversa do diretor com seu amigo de infância, o também cineasta Ladj Ly (de Os Miseráveis). “Falamos muito de como seria estar no meio da fagulha que incendeia o país todo. Era como estar em um tumulto que ainda não aconteceu”, disse Gavras.

    Na história, o estopim para a rebelião de jovens filhos de imigrantes, isolados do resto da sociedade por seus traços, suas origens, sua cultura e sua religião, é o assassinato, supostamente pela polícia, de um adolescente de 13 anos, irmão de Abdel e Karim – e ainda há outro, Moktar (Ouassini Embarek), que é traficante.

    Mas como assim, quatro irmãos? Gavras explicou que quis se basear em um contexto real, mas elevá-lo a um nível quase mitológico. “É como uma tragédia grega, cheia de simbolismos”, disse ele, filho de um grego e uma francesa. “Eu não podia ver os filmes da Disney quando era criança, mas ouvia os mitos e tragédias gregos. Em vez de Branca de Neve, ouvia sobre uma mãe comendo seus filhos, um homem matando o pai e se casando com a mãe.”

    O cineasta rejeita um pouco o rótulo de filme político. “Meu pai sempre diz algo com o que concordo: tudo é político”, disse ele, que é filho do cineasta Costa-Gavras, conhecido por produções como Z e Desaparecido – Um Grande Mistério, que tem a ver com o ‘soft power’ americano.”

    Ele não teme contribuir para nenhuma estigmatização desses jovens, apesar de ter tomado cuidados como trocar o nome do conjunto habitacional onde filmou – não existe Athena nos subúrbios parisienses. “Não vejo personagens como estudos sociológicos. Estou tentando fazer um bom filme. Minha responsabilidade é criar imagens, de preferência nunca vistas antes”, disse ele. Fica claro em Athena que essa é sua preocupação principal. A dramaturgia fica em segundo plano.

    Mas Romain Gavras nem acredita que cinema tenha tanto poder de mudar as visões políticas de ninguém. “Sei que é doido falar isso, sendo filho de quem sou. Mas o mundo não ficou melhor desde que meu pai começou a fazer cinema. Só é importante fazer filmes em que você acredita e que têm um ponto de vista. Mas são os políticos que mudam o mundo, não os cineastas.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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