• Bolsonaro usa motociatas no dia 1º e pesquisa de aliados como ‘última cartada’

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 24/09/2022 08:37
    Por Marcelo Godoy, Gustavo Queiroz e Levy Teles / Estadão

    O presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores preparam para a véspera do primeiro turno da eleição uma série de motociatas e carreatas em todo o País como última cartada para tentar reverter o cenário desfavorável apontado pelas pesquisas de intenção de voto, que apontam a liderança do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaristas têm classificado as manifestações como um “Datapovo”, a fim de tentar desacreditar as pesquisas de opinião e contestar uma eventual derrota, recriando o clima do 7 de Setembro.

    Para isso, têm usado levantamentos do instituto Brasmarket, que apontam o presidente na liderança. No mais recente, Bolsonaro aparece com 43% de intenções de voto, ante 28% para Lula. Nesta sexta-feira, em discurso na cidade mineira de Divinópolis (MG), o presidente voltou a dizer que vencerá no primeiro turno: “Nós somos a maioria, nós venceremos em primeiro turno. Temos bandidos que querem o mal de sua população. A gente não vê nenhum dos outros candidatos fazendo comício sequer que se aproxime a 10% do povo que tem aqui.”

    O anúncio para as motociatas foi feito pelo próprio presidente da República, em uma transmissão feita no 21 de setembro feita pelo Facebook. Ao lado do major Vitor Hugo (PL), candidato ao governo de Goiás. “O que está sendo discutido é uma grande motociata pelo Brasil no dia 1º de outubro. A gente vai convidar o pessoal a dar duas ou três voltas pela Esplanada dos Ministérios. Tenho certeza de que milhares de motos estarão presentes”, disse.

    De imediato, a estratégia de criar um novo Datapovo na véspera do voto foi abraçada por seu seguidores. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) foi um dos que publicaram o convite para a motociata na véspera do voto. “Nada melhor do que organizar nacionalmente e quem sabe também mundialmente, organizarmos uma motocarriata. Vamos parar o Brasil e mostrar quem está com nosso presidente”, disse Zambelli. Grupos de WhatsApp ligados ao deputado estadual Douglas Garcia (PL-SP) e ao deputado federal pelo Rio Carlos Jordy, vice-líder do PL na Câmara também republicaram a convocação para as motociatas.

    A convocação reverberou em outros grupos. Uma mensagem compartilhada no Telegram associa a convocação da motociata à certeza da vitória em primeiro turno. A publicação ainda diz que o movimento será um “xeque-mate”. “Xeque mate é o nome da jogada vencedora no xadrez que não permite ao adversário saídas alternativas para escapar da derrota”, diz a mensagem.

    Ainda no contexto das motociatas, um usuário também enviou mensagens de caráter antidemocrático e críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Vai lá Xandão, manda proibir o povo ir para as ruas. Aguenta aí dias 1 e 2/10 o povão vai exterminar os esquerdistas do nosso País. Será uma independência ou morte como nunca vista (sic)”.

    O empresário Luciano Hang – dono das lojas Havan e alvo de investigação do STF que averigua sua participação num grupo de WhatsApp que pedia intervenção militar no Brasil – gravou um vídeo convocando bolsonaristas para uma grande motociata pelo País às 14h22 do dia 1.º de outubro. “Vamos juntos vencer no primeiro turno”, disse, ao lado do prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira.

    Pesquisas

    Nesta semana, Bolsonaro e seus apoiadores intensificaram os ataques às pesquisas eleitorais que mostram a liderança de Lula. Conforme revelou o Estadão, grupos bolsonaristas no Telegram têm espalhado, sem provas, mensagens sobre um processo de fraude eleitoral em curso para impedir a vitória de Bolsonaro ainda em primeiro turno. Trata-se, segundo especialistas em monitoramento de redes sociais, de um movimento semelhante ao episódio americano de 2020, quando o então presidente Donald Trump acusou o Partido Democrata de manipular o resultado das urnas para eleger Joe Biden. Uma em cada quatro mensagens nesses grupos nos últimos 90 dias citam termos relacionados á fraude eleitoral.

    Parte dessa retórica também já é usada tanto pelo chefe do Executivo como por membros do governo. No domingo passado, o presidente afirmou durante visita ao funeral da rainha Elizabeth II:. “Eu digo: se eu tiver menos de 60% dos votos, algo de anormal aconteceu no TSE, tendo em vista obviamente o ‘Datapovo’ que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento”.

    Na segunda-feira, pouco antes da publicação da pesquisa Ipec com intenção de voto, o ministro das comunicações, Fábio Faria, afirmou pelo Twitter: “TSE, anote esses números que o IPEC está dando, que no dia 02 de outubro a população vai cobrar o fechamento desse instituto.” Depois, foi a vez do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) afirmar: “Nada justifica resultados tão divergentes dos institutos de pesquisas. Alguém está errando ou prestando um desserviço. Urge estabelecer medidas legais que punam os institutos que erram demasiado ou intencionalmente para prejudicar qualquer candidatura.”

    Reafirmando a suposta liderança no Datapovo do presidente, o ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, chegou a publicar um texto pedindo voto útil em Bolsonaro. Seu objetivo – explicou o general _ é evitar que Lula vá ao segundo turno.

    O problema com a narrativa da cúpula bolsonarista pode ser visto no agregador de pesquisas do Estadão. Ele usa 14 institutos de pesquisa que acompanhavam a corrida eleitoral desde o anos passado e nenhum deles aponta liderança de Bolsonaro. Todos mostram a vitória de Lula no primeiro e no segundo turno. Até ontem, Lula tinha 51% dos votos válidos ante 36% para o incumbente.

    A exceção é o levantamento da Brasmarket. Há 15 dias, o instituto divulgou uma primeira pesquisa, patrocinada pela Associação dos Supermercados do Rio, na qual Bolsonaro aparecia a frente de Lula.

    Em 9 de junho, o ministro Paulo Guedes (economia) em reunião com a associação Brasileira de Supermercados pediu que o setor congelasse os preços para ajudar a reeleição de Bolsonaro. Durante o evento, o presidente da Abras, João Galassi, chegou a lançar um desafio para os associados de “nova tabela só em 2023?. No dia seguinte, a associação desmentiu a informação. Em 17 de junho, o próprio presidente em reunião com associação do Rio fez o mesmo pedido para que os empresários segurassem os preços. O presidente estava com o filho, Flávio Bolsonaro, e com o presidente da Associação do Rio, Fábio Queiroz.

    Logo após a primeira pesquisa da Brasmarket, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) publicou: “Como falamos há tempos, os demais institutos já começaram a ajustar mais rapidamente a vitória de Bolsonaro. As óbvias exceções serão DataFolha e IPEC, pois estão a serviço da Globo e do PT e vão bancar a farsa até o fim.”

    Levantamentos recentes dos principais institutos de pesquisa, porém, mostram um cenário diferente do sugerido pelo parlamentar. Além de Datafolha e Ipec, as pesquisas Ipespe e Quaest também indicam liderança do petista.

    Buscas

    Para se ter uma ideia da importância assumida pelas pesquisas eleitorais nas eleições deste ano, o Google mostra que as buscas por “pesquisas presidenciais” cresceram 20% neste ano em relação a 2018. Não só isso. Desde o início da campanha eleitoral, a pergunta que mais cresce sobre o tema é justamente se a pesquisa Brasmarket é confiável.

    O Estadão procurou Felipe Fontes de Castro Cademartori e Jose Carlos Nogueira Cademartori, sócios do instituto Brasmarket, e Bruno Agra Ferreira, estatístico responsável pelas pesquisas que mostram o presidente Jair Bolsonaro à frente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não obteve retorno. A reportagem também tentou contato com representantes da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), sem sucesso.(Colaboraram Raynderson Guerra e Daniela Amorim)

    Últimas