• Para melhor entender o mundo

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 21/04/2018 12:00

     Melhor se entende o mundo, com visão mais global: interdisciplinaridade. Veja o sorvete que derrete no asfalto entre formigas. Há poesia nesse evento, a desvendar-se. Cabe ao poeta acender sua chama. Sorvete que se esvai pode ser metáfora de coração que se deteriora pelo amor inalcançado. Mas isso acontece num determinado espaço físico real. Surge a geografia, pronta a nos dispor seus mapas. Pois o sorvete derreterá na calçada mais apropriadamente ao sol do verão carioca do que no inverno finlandês. 

     O derretimento do sorvete ocorre num tempo mensurável. Que nos remete à física, disciplina que descreve os modos de ser do universo. Tempo que se mede em relógios, e nos transporta à mecânica e à tecnologia que faz tais dispositivos maravilhosos. E, cá para mim, se relógio de bolso, é bem que retorno à poesia, pois algarismos romanos e correntes ancestrais muito se entendem com a matéria poética. E com a música, pois o maquinário que move os ponteiros dispõe um ritmo, que sem esforço faz chão para melodias. O mesmo relógio que indica o tempo físico, pode também nos remeter a um quadrante histórico, pois as coisas acontecem num tempo narrativo. Este sorvete no chão pode muito bem ser o mesmo que caiu da mão da criança cujo pai a agarrou para fugir do tiroteio num bairro do Rio de Janeiro do século XXI.

     Mas o sorvete que se esvai tem mais a dizer, pois muda de estado. A química certamente nos contará muito sobre essa metamorfose contínua em que nada se perde ou se cria, mas somente se transforma. As moléculas dos componentes do sorvete transformarão sua estrutura, se dividindo e se espalhando em substâncias que antes compunham o creme de consistência uniforme. E as formigas se esbaldam. Pois, explicará a biologia, estarão armazenando açúcares para a saúde do formigueiro.

     Ora, um mero sorvete no asfalto nos apregoa física, química, biologia, história, mecânica, tecnologia, geografia e poesia. É o poder da interdisciplinaridade, da visão sistêmica, do pensamento que, por se aprofundar, nos enriquece. Isso nos permite sair do raso e melhor entender o mundo, o caso das charretes, a prisão do Lula e a operação Caminho do Ouro.

     No 11 de setembro, vi o corpo docente da faculdade desperdiçar a oportunidade de debater temas inter-relacionados na tragédia. Entrelaçavam-se ramos vários do direito: constitucional, internacional, direitos humanos, direito aeronáutico, afora ética, religião, filosofia e sociologia. Mas desperdiçou-se a chance, ficou cada um olhando seu umbigo. Concluí que essa academia que ignora a interdisciplinaridade desserve à sociedade, pois despeja no mercado especialistas incapazes de pensamento sistêmico.

     Interdisciplinaridade é urgência pedagógica. As disciplinas, como dadas por Aristóteles, fizeram o conhecimento avançar, mas as suas estradas se afastaram. Há abismos entre primos que eram íntimos, de mesma raiz. Ética era parte da filosofia que, nos primórdios, era também ciência. Não havia pensamento científico sem modelagem ética. Mas com as estradas partidas em mil, galhos da ciência vão a destinos perigosos porque a ética não mais comparece com seu freio crítico. Por isso urge voltar às origens, quando toda a família do conhecimento humano se assentava ao redor da mesma fogueira, e não só a ética conduzia a ciência, mas também a matemática dialogava com a música e a poesia com a geografia. Assim, melhor entenderemos o mundo, e o sorvete.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

    Últimas