• Joyce Moreno: ‘É a arte do país sobrevoando este momento’

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  • 15/09/2022 08:30
    Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Estadão

    Na canção Tema para Jobim, de 1985, Joyce Moreno, que fez a letra da melodia criada pelo saxofonista americano Gerry Mulligan, fala sobre o sabiá que já não canta mais e a flor que não se abre mais.

    Naquele ano, a compositora, cantora e violonista carioca fazia uma alusão à bossa nova e, de certa forma, à poesia das canções da turma daquele movimento e da geração seguinte – da qual ela faz parte -, que havia perdido espaço no meio musical brasileiro.

    Passados quase 40 anos, Joyce, na canção que intitula o seu recém-lançado álbum, Brasileiras Canções (Biscoito Fino), dá continuidade a esse pensamento. Como “uma jura de amor, um feitiço, ou um encanto”, como diz a letra, ela conta que, como “um passarinho no céu de urubu”, o que ela representa segue firme, mesmo no céu sombrio que insiste em se firmar no Brasil.

    “É a arte brasileira sobrevoando este momento que a gente vive. A metáfora é clara. Todos da arte vivemos o que escreveu o (Mário) Quintana: ‘Eles passarão, eu passarinho’. Você pode até matar o artista, mas a arte sobrevive”, afirma.

    Na bossa Todo Mundo, que abre o disco, Joyce fala do mal disfarçado de virtude. “São aqueles cidadãos de bem. Um conto do vigário, como se dizia antigamente”, afirma.

    A parceria que ela inaugura com Moacyr Luz também leva a marca desses tempos. O samba que fizeram e cantam juntos filosofa sobre a morte, tema presente nestes mais de dois anos de pandemia em que Joyce compôs cerca de 40 canções – algumas foram gravadas por outros intérpretes, como é o caso de Aurorear, criação dela com Emicida, gravada pela cantora Alaíde Costa.

    Todas essas questões, lembra Joyce, passaram por sua aguçada antena de compositora, que precisa de silêncio interno para se conectar, sobretudo em um disco em que ela assina 11 das 12 canções. Compor passou a ser uma válvula de escape.

    AGITADOR CULTURAL

    Quem entrou meio de penetra nessa profícua fase de letrista de Joyce foi o compositor e poeta português Tiago Torres da Silva, responsável pela letra de Tantas Vidas, a única do disco com o eu lírico feminino, algo que Joyce pode chamar de seu. Ela diz que Tiago é uma espécie de Hermínio Bello de Carvalho mais jovem. Um agitador cultural lá em Portugal.

    A faixa foi gravada com participação de Mônica Salmaso. Outras participações são do cantor e instrumentista Alfredo Del-Penho, no choro Quem Nunca, e do violonista Chico Pinheiro na instrumental Não Deu Derto (Mas Foi Divertido).

    A banda-base que acompanha Joyce é formada por Hélio Alves (piano), Jorge Helder (baixo) e Tutty Moreno (bateria), além de seu violão e de eventuais colaborações de outros músicos entre as faixas.

    O show de lançamento de Brasileiras Canções, o 42º disco de sua carreira, está marcado para 25 de setembro, no Sesc Pinheiros, em São Paulo.

    Essa persistência de Joyce também se dá por meio de uma música – mais precisamente da bossa suingada e do samba, que não foge à influência do jazz, que é muito particular dela e que a levou pelo mundo afora – embora seu trabalho, como ela ressalta à reportagem do Estadão, tenha percorrido o Nordeste e Minas Gerais. “Minha música é muito conversadeira”, explica.

    Recém-chegada de uma excursão por países da Europa, além de uma passagem pela primeira vez por Cingapura, Joyce diz que encontrou plateias ávidas – e lotadas – por ouvir seu som. Uma sede pela vida, com a música como ponte.

    Em tempos de “briga” de artistas brasileiros pelo topo das paradas musicais mundiais, Joyce disse que, pela Europa, os shows de abertura de suas apresentações traziam o repertório de nomes como Guinga, Moacir Santos e Tom Zé, entre outros.

    “Em Cingapura, fizemos um workshop. Eles estão muito interessados na música brasileira. Uma moça estava tocando Manhã de Carnaval. Outra tinha a partitura de uma música minha, Tardes Cariocas, que a professora dela lhe mostrou”, diz ela. “O Brasil joga fora esse tesouro. Se as pessoas soubessem da potência da música brasileira, não precisaríamos nem do agronegócio”, acrescenta.

    Ainda sobre as incursões de Joyce pelo exterior, o disco Natureza, gravado por Joyce em parceria com Maurício Maestro no ano de 1977, em Nova York, e nunca lançado, ganhará edição em vinil ainda neste mês de setembro.

    QUASE JAZZ

    Com produção musical e arranjos do maestro alemão Claus Ogerman (1930-2016) – o preferido de Tom Jobim -, o álbum foi remasterizado a partir de uma fita cassete guardada por Joyce. Com participação de músicos brasileiros, como Naná Vasconcelos, João Palma e Tutty Moreno, ele traz faixas como Feminina, gravada com mais de 11 minutos de duração. Puro jazz.

    As versões para o fato de Natureza, que Joyce chama de “lenda urbana”, ter estado guardado por 45 anos são muitas. Ele não teria sido lançado porque, à época, Joyce se recusou a regravar o disco com as letras em inglês. Questões de contrato da orquestra também pesaram. Depois disso, Ogerman, segundo Joyce, passou a querer uma fortuna para colocá-lo no mercado. Ele também teria feito outra exigência, de que o álbum fosse mixado em determinado estúdio, igualmente dispendioso.

    “Esse disco é importante, pois é um documento de um momento muito especial de nossas carreiras”, completa Joyce, sobre o que seria sua primeira tentativa de trilhar uma carreira no exterior, algo que aconteceria nos anos 1990.

    Serviço

    Brasileiras Canções

    Joyce Moreno

    Biscoito Fino, R$ 52,66

    Com participação de Zé Renato, o show de lançamento do disco ‘Brasileiras Canções’, o 42º da carreira de Joyce Moreno, será no dia 25/9, às 18h, no Sesc Pinheiros

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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