Série questiona interesses em jogo na independência
Quando iniciou o processo da ambiciosa minissérie Independências, que estreia nesta quarta, 7, às 22h, na TV Cultura, o diretor Luiz Fernando Carvalho estava convicto de que o projeto não poderia refletir a história oficial sobre os acontecimentos de 7 de setembro de 1822. “Não é uma série que se restringe ao bicentenário”, afirma. “Ela me parece mais ampla, partindo desde a fuga da família real de Portugal, em 1808, até a morte de d. Pedro I, em 1834. Ou seja, estamos propondo uma reflexão sobre a aurora do século 19. Estamos diante da colonialidade, sistema fundado pela modernidade. Logo, apresentamos a modernidade como uma sucessão de eventos trágicos. O despontar de uma era trágica.”
Portanto, ainda que seja ambientado há dois séculos, o trabalho não é de época. “Nosso presente está repleto de passado. O século 19 foi um período estrutural, marcando avanços e retrocessos com os quais lidamos até hoje. A história do Brasil sempre nos foi contada de forma romantizada, quando, na verdade, é trágica, bárbara, marcada por golpes e genocídios que precisam ser iluminados.”
Margem
Com esse ponto de partida, durante um ano e meio, Carvalho, em parceria com o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, desenvolveu um roteiro que desenha o Brasil a partir de uma releitura que se convencionou chamar de nova historiografia. Assim, além dos já conhecidos participantes dos eventos que culminaram com a Independência – protagonistas da história oficialmente contada nas escolas -, a dupla buscou personagens que foram postos à margem ou que violentamente foram apagados pela história oficial.
Com isso, ganha importância o protagonismo feminino, como o da própria imperatriz Leopoldina, artífice central no processo da Independência, e figuras como Maria Felipa, essencial na luta pela emancipação da Bahia.
“Por meio de uma fabulação de vozes múltiplas, avistaremos um país nascido sob o signo da pluralidade”, observa Carvalho. “É uma escavação em busca do passado, reencontrando fantasmas nas salas do império, colonialismo, violência social, autoritarismo e escravidão. Sem esta reflexão sobre a constante atualização do colonialismo histórico e suas estruturas de poder, me parece uma falácia pensarmos a ideia de um futuro, um país mais belo e justo para todos.”
Nessa toada de desmistificação, algumas são importantes na minissérie. É o caso do envenenamento de d. João VI, que só foi confirmado no início dos anos 2000, após a exumação de seu cadáver. É um fato que altera a história oficial e que deve promover mudanças na “nova dramaturgia histórica” proposta pela minissérie.
“D. João VI é um sujeito trágico, que não tinha qualquer preparo para governar e tomar decisões enquanto o mundo explodia em torno dele”, analisa Antonio Fagundes, que vive o monarca na série. Com 16 capítulos que serão exibidos às quartas-feiras, a produção desde já se coloca como um dos principais lançamentos do ano. A marca dessa atemporalidade, por exemplo, está na sofisticada opção estética de Carvalho para compor as cenas – os atores aparecem em imagem ligeiramente retorcida, como se estivessem em um sonho, reforçando novamente a atemporalidade.
“O foco está na palavra, no texto”, explica Carvalho. Com isso, foi permitido um maior entendimento de questões delicadas que raramente estão no foco das discussões históricas. “A minissérie torna evidente que a Independência se deu como resposta às enormes pressões que surgiam por todos os lados, desde Portugal, passando pelas elites brasileiras, até aos levantes populares nas províncias”, argumenta Carvalho. “Mas a quem interessou a tal independência? Ela existiu realmente? Ou foi um golpe da elite?”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.