‘Onoda’ trata do irracionalismo militar que produz fanáticos obedientes
Ordem se cumpre. Cegamente. Sem discutir. Essa, a filosofia de fundo que inspira Onoda – 10 Mil Noites na Selva, filme do francês Arthur Harari. O “herói” é o soldado japonês Hiroo Onoda, famoso por ter prosseguido em sua luta solitária 30 anos após o fim da 2ª Guerra Mundial. Mesmo depois de o Japão ter se rendido em 1945, Onoda persistiu em seu combate particular na selva filipina, para onde havia sido enviado em 1944. Apenas em 1974 entregou suas armas.
Onoda e seus companheiros foram mandados para a ilha de Lubang, nas Filipinas. Sua missão era sabotar tropas norte-americanas que, se acreditava, fossem desembarcar na ilha. No treinamento, haviam recebido ordens taxativas: não se render jamais; não cometer suicídio; “não entregar sua vida voluntariamente, sob nenhuma circunstância”. Lutar até o fim.
Ordens que Onoda segue ao longo de décadas. Vai perdendo os companheiros, um a um, até terminar absolutamente só. Mata reses em busca de alimentação. Ataca também os camponeses filipinos que, em vão, tentam lhe explicar que a guerra havia terminado. Onoda não acredita. Escuta um rádio e pensa que as notícias são transmitidas com o propósito de confundir sua mente. Vê nos aviões americanos que passam sobre sua cabeça a confirmação de que a ilha encontra-se sob ataque. Todos os indícios são interpretados como ardis do inimigo para enganá-lo.
OBEDIÊNCIA CEGA
Dessa história de fundo alucinatório, Harari faz um filme observacional e bastante rigoroso. Retrata o fanatismo fundamental de Onoda, mostrando sua fome, a sede, os complexos desafios da selva, o sofrimento, a solidão – tudo enfrentado pelo personagem com raro estoicismo.
Mas não se trata apenas disso. O filme desvenda, em tom crítico, a estrutura rígida da Escola Militar Nakano, na qual Onoda se forma. Seu patriotismo nacionalista extremado, a obediência cega a ordens, mesmo que absurdas, diz muito sobre o irracionalismo militar de extrema direita, que produz fanáticos obedientes como robôs e dispostos a tudo no cumprimento de ordens superiores.
Tanto assim que, resgatado enfim de sua missão, Onoda volta ao Japão para ser recebido como ídolo, com honras militares. Não é visto como louco, mas como soldado exemplar, que cumpre seu dever sem discutir. Mesmo quando esse dever revela-se um completo absurdo. É um filme que dá o que pensar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.