‘Faya Dayi’ mostra realidade e sonhos de comunidade na Etiópia
Aos 16 anos, Jessica Beshir teve de deixar seu país, a Etiópia, devido à turbulência política. Já adulta, com a situação um pouco mais calma, ela voltou, levando uma câmera para filmar sua avó. “Era uma maneira de me reconectar com as minhas raízes, com o lugar”, explicou, em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “Havia um grande sentimento de ser desenraizada. As imagens dos lugares em meus sonhos me invadiam. Queria muito fazer um filme sobre o lugar que tem todas as minhas memórias e o meu coração”, diz.
Muita coisa tinha mudado em seu país de origem. Em especial, ela ficou surpresa com o impacto econômico da lavoura do khat, uma planta estimulante cujo uso faz parte da cultura da cidade onde nasceu, Harar. O khat tinha virado uma commodity. Ela decidiu, então, fazer um documentário sobre isso. Só que, ao contrário do que uma sinopse poderia fazer supor, Faya Dayi, disponível na MUBI, passa longe de um documentário tradicional.
O filme começou com entrevistas com especialistas sobre a cultura do khat. Mas Beshir depois passou tempo nas fazendas, com as pessoas que trabalhavam no plantio. “Comecei a ver as informações das entrevistas na minha frente. Não tinha por que usar as entrevistas. Queria trazer as experiências”, disse. “Intrinsecamente eu filmo o que me emociona. É a maneira de ver. Mas tinha a ver com um reaprendizado sobre o lugar. Com ouvir.”
SONHOS. Faya Dayi, filmado em preto e branco, fala de realidade e de sonhos e fica na interseção das duas coisas, além da memória e da história. Lembra o cinema de diretores como Lav Diaz, Apichatpong Weerasethakul, Carlos Reygadas – esse último, mexicano como a mãe da cineasta. Depois de deixar a Etiópia, a família de Beshir refugiou-se no México. “Poderíamos ter atravessado muitos perigos, mas o México nos deu nosso segundo lar”, disse ela.
Esses diretores também a influenciaram em sua maneira de fazer seus primeiros longas, com pouco ou nenhum financiamento. Jessica Beshir não teve nenhum apoio durante os primeiros sete dos dez anos que Faya Dayi levou para ser produzido. “Houve momentos em que duvidei de que teria filme”, disse. Mas, no fim, ela acha que foi empoderador. “Poder contar só comigo mesma foi o que me permitiu fazer Faya Dayi. Em retrospecto, não ter o financiamento no começo foi um presente para mim. Porque fiz o filme conforme minha intuição.”
Confiar nela deu muito certo. O longa, exibido na competição internacional de documentários em Sundance, ganhou o prêmio da categoria da Sociedade Americana de Diretores de Fotografia e ficou na lista restrita de selecionados ao Oscar de melhor documentário deste ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.