Casa “ecotudo” no Vale das Videiras é uma lição sobre o amor à natureza
“Uma casa “ecotudo” que respira, é iluminada e acolhedora.” É assim que Bárbara Pellegrini se refere à casa onde mora com o marido no Vale das Videiras. A construção foi consequência do envolvimento natural do casal com a chamada restauração ecológica, processo que auxilia na recuperação de um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído.
Aposentados, Bárbara e o marido decidiram fincar raízes na ‘roça’ e começaram a produzir mudas para reflorestar o sítio que compraram com a sua comadre. No entanto, a produção amadora acabou se transformando numa atividade comercial. “Em outubro de 2016, inauguramos o viveiro “Muda tudo”, que busca despertar nas pessoas o amor pela natureza”, conta. Segundo ela, o viveiro é dedicado à produção de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, com sementes exclusivamente coletadas na região.
A história com Petrópolis e o Vale
“Meus bisavós imigraram da Itália (Polignano a Mare, na Puglia) para Petrópolis e aqui se estabeleceram. Tiveram um comércio, a Casa Pellegrini. Na época era um armazém e, mais tarde, uma fábrica de massas – onde hoje é o Edifício Pellegrini. O nome foi recuperado há alguns anos pelos meus primos, Augusto e Antônio, e hoje dá nome ao bar e restaurante deles na Rua 13 de Maio”, explica.
Embora tenha nascido no Rio, a carioca viveu dos 5 aos 17 anos em Petrópolis. A relação com a cidade onde viveu a infância e parte da adolescência falou mais alto, já que Bárbara retornou em 2013. “Bem, eu conhecia o Vale desde os meus 17 anos, quando vinha para cá com amigos que tinham uma casinha no Facão. Quando começamos a procurar terras, em 2013, logo me lembrei do clima daqui. Tivemos a sorte de encontrar o sítio e de ganharmos a vizinha mais querida e bacana. Somos vizinhos da maravilhosa Dona Terezinha Cunha, paisagista espetacular, cujas mãos deixaram, e ainda deixam, marcas em todas as conquistas que esse cantinho de terra alcançou. Dona Terezinha nos inspira”, conta.
Questionada sobre como foi o processo de construir a sua casa eco, Bárbara conta que apenas avançou no caminho de “mudar tudo”. “Nossa casa em Niterói foi construída em etapas, durante 20 anos. Já naquele tempo tivemos cuidado com a iluminação natural, o aproveitamento da água da chuva, o aquecimento solar da água e o plantio de espécies nativas no jardim, visando à alteração do microclima do terreno (muito atingido pelo sol à tarde). Nessa nova etapa da vida [no Vale das Videiras] apenas avançamos nesse caminho de ‘mudar tudo’. Nossa missão é chamar a atenção para os diversos aspectos da vida humana que se relacionam com a natureza”, explica.
A casa construída por Bárbara e o marido também teve como objetivo a divulgação de técnicas de bioconstrução, inclusive, habilitando pessoas na região a fazerem o mesmo em suas construções. “A pandemia nos atropelou nesse particular, mas a obra de todo o modo virou um ponto de visitação às muitas e sortudas famílias que buscaram o Vale para morar”, conta orgulhosa. Antes da pandemia, a carioca realizou uma oficina de bioconstrução com o coletivo A Casa Mescla.
Lições a todo instante
Pergunto à Bárbara como é sua relação com a natureza. “De respeito e de aprendizagem. Nós, que vivemos a vida toda na cidade e nos mudamos para ‘o mato’, aprendemos lições a todo instante. E olha que há muito tempo estamos ligados ao tema ambiental. Aprendemos que é preciso estar aberto para rever valores, conceitos e certezas bastante arraigados na gente. Para começar, é preciso reconhecer o direito da Natureza. E se colocar como parte desse coletivo, não como seu dono”, conta.
Por dentro da construção
A casa “ecotudo” considera os recursos disponíveis localmente, segundo a carioca. Além de ter uma parte virada para o Norte, a fim de melhorar o aproveitamento da luz solar no inverno, Bárbara fez questão de utilizar diversas técnicas ecológicas na construção. “Temos bacia de evapotranspiração, telhados verdes e cisterna de água da chuva com captação das águas dos telhados. Nas paredes, usamos as técnicas de hiperadobe, pau a pique e taipa de pilão. No emboço, cal e pó de pedra. Para a impermeabilização das áreas úmidas usamos a técnica marroquina denominada ‘tadelakt’.”
Quem olha para o teto se surpreende. O madeiramento do telhado foi feito com bambu guadua, uma gramínea que cresce muito rápido, e os produtores não usaram agrotóxicos no plantio, segundo Bárbara.
No teto do quarto e do banheiro, em abóbada, a carioca usou apenas tijolos com cal. “Na abóbada do banheiro fizemos uma claraboia. Novamente, aqui, a pandemia frustrou a nossa expectativa de fazer tijolos em oficinas. Apenas uma pequena parte dos tijolos utilizados foi feita na obra. O isolamento, em que nos mantivemos em 2020, também nos atrapalhou na compra de telhas de demolição. Usamos telhas convencionais”, conta.
O casal utiliza a energia solar somente para o aquecimento da água, em razão do investimento alto e do impacto ambiental das baterias para o armazenamento da energia produzida. “Aqui, na área rural, a melhor opção é ficar “off grid”. Decidimos aguardar mais um pouco e analisar mais a fundo as opções”, conta ela.
Questionada sobre uma lembrança especial vivenciada na casa, a carioca conta que são várias. Pergunto à carioca se ela consegue se lembrar de alguma história especial vivida na casa. “Das nossas experiências ao botar a mão na massa durante a construção, do tempo que pegaram sozinhos no batente a Bruna, o Pedro e o Henrique no início da obra, das fotos que fazíamos para enviar aos filhos que não estavam por perto para acompanhar o dia a dia, das perguntas e interjeições que presenciamos de visitantes que passavam para visitar…Mas duas histórias são muito emocionantes. A primeira foi quando ouvi de um profissional local, que vive de fazer obras convencionais e fez o alicerce de pedras da nossa casa, o Alex, a seguinte frase: “assim que a gente vê o valor da terra”, ao voltar ao local e verificar que as paredes de hiperadobe são firmes, mesmo contendo exclusivamente barro. A outra, também com um profissional do Vale das Videiras, o marceneiro Juca, se resume à reação emocionada dele ao entrar aqui em casa pela primeira vez e se deparar com o teto de bambu”, conclui.