Plantar camapu e vender physalis
A infância tem sabores inesquecíveis. Adulterar-se é amargurar, castrar a criança que sempre nos carrega pela mão ao passado para mostrar-nos que a espontaneidade pode preservar a ternura existente na raiz da esperança.
Aprendi, com o poeta Fernando Magno, a preservar o menino que mergulha nos rios da vida para se deliciar com o tempo presente, além de beber o amanhã nas gotas do dia a dia. E assim construir em si um conceito de felicidade, nos limites que a natureza nos permite.
Por Fernando Magno, entendi, com mais clareza, o que dissera o poeta inglês William Wordsworth: “o menino é pai do homem”. Verso este usado por Machado de Assis como título do capítulo XI do livro "Memória Póstumas de Brás Cubas”.
Pelo que vi e vivi nessa caminhada pelo tempo, acredito que a mão de Deus sempre está estendida sobre as crianças, porque elas não têm a malícia da sagacidade que o ódio alimenta, nem mensuram os riscos dos precipícios que estão às margens do caminho. Desatei os nós que inibiam o menino, encontrei nas palavras a minha maior diversão. Não se descobre o novo sem a inquietude lúdica das crianças. E não se tem controle das imagens vividas na infância.
Em um domingo, fui convidado para almoçar na casa de uma amiga. Eu e minha esposa fomos bem recepcionados. Mas, após os cumprimentos, meus olhos fixaram sobre a mesa magnificamente decorada. A minha amiga percebeu que eu fiquei hipnotizado por uma fruta que fazia parte da decoração. Disse-me:
– É physalis. Fruta, importada da Colômbia. Coloquei sobre a mesa pra dá um toque natural.
Eu, sem jeito, por deixar transparecer a minha indiscrição, falei:
– Essa pode ter sido importada da Colômbia. Mas eu já comi muitas quando criança em Teresina. Encontrava no caminho quando ia tomar banho no rio Parnaíba. Mas não a conheço com esse nome.
Não lembrava o nome da fruta. Porém tinha certeza que não era physalis. Depois do almoço servido, pedi licença e comi duas, certifiquei-me do sabor que estava guardado na memória. Contudo, o nome não lembrei. Passei duas semanas vasculhando as lembranças, mas nada do nome vir.
Inquieto, liguei para a amiga com o objetivo de saber o lugar, onde ela havia comprado a fruta. No domingo, fui ao Horto e encontrei-a. Estava na embalagem um rótulo da Colômbia. Quando perguntei o preço, levei um susto. O quilo era muito além do valor de uma hora-aula. A curiosidade falou mais alto, comprei apenas cem gramas, só para matar a saudade…
Em casa, fotografei-a e coloquei no grupo da família no WhatsApp:
– Desafio às minhas sobrinhas: quem sabe o nome dessa fruta?
– Eu já comi em Fortaleza. É uma delícia! Não lembro o nome. Estou tentando lembrar – disse a primeira que se manifestou, residente em Teresina. A que mora no Amapá respondeu:
– Isso é camapu. Dá no mato aqui.
Camapu – esse é o nome que fiquei tentando lembrar. Não quis recorrer ao senhor Google, sem antes saber o nome que havia fugido da memória.
Na terça-feira passada, relatei esse episódio a um biólogo amigo, ressaltando o preço que paguei pela fruta. Ele, que não perde a oportunidade de despertar o humor, falou:
– Vamos plantar camapu e vender physalis.
Depois, pesquisando sobre as propriedades medicinais do camapu, descobri que produz “novos neurônios no hipocampo”, portanto pode ser usado no combate a doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer.
Das frutas que comprei, já separei as sementes. Vou plantar em casa, ou buscar no Piauí.
O nome científico do camapu é physalis angulata.