O Ministério da Saúde criou, nesta sexta-feira (29), um novo grupo emergencial para tratar o avanço da varíola dos macacos (monkeypox) no País, que teve sua primeira morte pela doença confirmada na véspera. O Centro de Operação em Emergências (COE) reúne representantes de diferentes setores da federação, como Anvisa, Conass e Conasems. Mesmo com a medida, especialistas e gestores de saúde reforçam que a pasta ainda precisa ampliar sua capacidade de testagem, desenvolver campanhas públicas de conscientização com sentido de urgência e impulsionar as negociações para aquisição de vacinas.
Em coletiva de imprensa na tarde dessa sexta, o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, afirmou que “o grande objetivo” do COE é desenvolvermos um plano de contingência, com análise das informações epidemiológicas da doença. Ele confirmou ainda que o Brasil chegou a 1.066 casos confirmados da doença e que foi “verificado um aumento” do vírus em homens com menos de 18 anos.
Segundo a apresentação mostrada por Medeiros, o novo grupo também deve estabelecer os aspectos logísticos de diagnósticos e laboratórios, protocolos assistenciais e clínicos, formação e capacitação das unidades de saúde, e desenvolver uma campanha de comunicação a ser veiculada em redes sociais, rádio e TV, em parceria com a sociedade civil e a assessoria de comunicação do ministério.
“Estamos entrando em contato com a sociedade civil para entender como podemos comunicar melhor para esse grupo de homens que fazem sexo com homens as medidas de prevenção e controle”, afirmou, completando que eles representam mais de 95% dos casos confirmados no mundo. “Isso é um dado epidemiológico, não é estigmatização. Eles estão em maior risco, por isso o nosso cuidado a qualquer forma de discriminação.”
Muitas das medidas anunciadas nesta sexta pelo Ministério da Saúde já tinha começado com a Sala de Situação Monkeypox, cujo Plano de Desmobilização foi publicado na segunda-feira, dia 11. Questionada um dia depois pelo Estadão, a pasta disse que continuaria “monitorando o cenário epidemiológico” no País.
Mais tarde naquela mesma semana, representantes do Conass, da Anvisa e servidores do ministério foram convidados para integrar um novo grupo de aconselhamento sobre a varíola dos macacos, incluindo alguns que compunham a extinta Sala de Situação. O objetivo era apoiar e orientar as decisões do governo federal no enfrentamento da doença, com a ajuda de epidemiologistas, virologistas, infectologistas e pesquisadores de todo o País.
Um grupo no WhatsApp foi criado e duas reuniões online organizadas nas semanas seguintes. Oficialmente, nada foi anunciado pelo Ministério da Saúde e membros desse “departamento técnico assessor” ouvidos pelo Estadão apontam que ele não tinha caráter ou poder deliberativo. Questionada pela reportagem, a pasta ignorou as perguntas feitas sobre o objetivo e a composição do comitê informal.
O grupo informal teria insistido para que o Ministério da Saúde declarasse o estado de emergência pública pelo menos uma semana antes de a Organização Mundial da Saúde ter tomado a medida no último sábado. O objetivo seria liberar com celeridade a verba do orçamento destinada à aquisição de insumos para testagem e diagnóstico dos casos e ao treinamento de pessoal, que ainda não atendem à demanda do território nacional.
Hoje, apenas quatro laboratórios em São Paulo, no Rio e em Minas estão habilitados para a confirmação de diagnóstico da monkeypox. Na coletiva de ontem (29), Medeiros disse que há previsão de expandir esse quantitativo para as 27 unidades federativas, mas não deu um prazo para quando isso deve acontecer.
A sugestão para ampliar a capacidade nacional de testagem e diagnóstico, assim como aprimorar o escopo clínico de investigação dos casos já tinha sido direcionada ao ministério há pelo menos duas semanas.
Com o encerramento da Sala de Situação, o enfrentamento à varíola dos macacos no Brasil foi redirecionado para o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, que cuida das políticas direcionadas ao HIV, hepatites virais, tuberculose e outras doenças desse tipo na Secretaria de Vigilância em Saúde.
“O ministério tem um quadro técnico extraordinário, mas é necessário que toda essa cadeia receba o devido comando, então tenho certeza que ela vai responder”, diz Nésio Fernandes, secretário estadual de Saúde do Espírito Santo e presidente do CONASS. “Possivelmente, todos os Estados já têm transmissão comunitária e a testagem deve ser o foco agora, principalmente por não termos as vacinas.”
Fernandes diz achar difícil ter o quantitativo necessário de vacinas nos próximos meses. “Podemos nos programar para quase um ano de enfrentamento com comunicação, testagem e isolamento.” O cronograma inicial apresentado hoje pelo ministério prevê a entrega de 50 mil doses da vacina contra a varíola ao Brasil, a serem distribuídas em dois lotes de 21 e 29 mil, em setembro e novembro.
“Estamos repetindo os mesmos erros da covid”, alerta a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo. “Estamos muito lentos e não conseguimos informar a população. Esses casos que temos notificados são das pessoas que têm acesso melhor ao serviço e à informação, mas certamente não são todos.”
A análise é ecoada por Maria Amélia Veras, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. “Estamos diante de uma situação no Brasil que, nos últimos tempos, temos sentido muita falta de campanhas de conscientização e orientação da população sobre saúde pública. Estamos vendo uma repetição do que aconteceu com a vacinação da covid, quando tínhamos doses e não tínhamos campanha”, aponta. “Precisamos ter comunicação clara, rede de serviços onde as pessoas possam ir e os profissionais saibam do que se trata (a monkeypox). Acabamos de ter uma nova doença e não teve treinamento adequado dos profissionais. Nesse momento, é importante que serviços de referência sejam identificados, embora não tenha que ficar restrito isso.”
Para o presidente do Conass, ainda é necessário pensar em algum tipo de seguridade social para as pessoas que se infectarem pela doença. “A comunicação de risco e suspeita clínica está defasada, assim como a nossa capacidade de poder testar. Mas suponhamos que temos uma capacidade extraordinária e ampla, como vamos fazer para que caminhoneiros, profissionais da construção civil, diaristas, professores etc. mantenham o isolamento indicado de 40 dias?”, questiona.