Verba de consultoria fica com aliados de líderes partidários
Partidos podem usar verba do Fundo Partidário para contratar escritórios de advocacia, contadores e consultorias que tenham relação com a atividade política. A legislação, porém, não exige que sejam feitas concorrências para a execução destas despesas. Em 2021, algumas siglas utilizaram esse dinheiro público para contratar aliados de caciques e até comprar o imóvel de um deles.
O Estadão identificou gastos com parentes e amigos de dirigentes. Na lista estão aliados com cargo no governo federal, um “guru ideológico” e até um ex-assessor apontado como “homem da mala” pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República.
O Progressistas pagou R$ 125 mil por uma consultoria da empresa Mult Talentos, que pertence a José Jesus Trabulo Sousa Júnior, diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Trabulo é apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas), de quem é conterrâneo e ex-assessor no Senado.
A Mult Talentos apresentou relatórios de monitoramento de redes sociais para o Progressistas. Segundo registro na Receita, tem sede em Teresina (PI) e atua nas áreas de “agências de publicidade”, “locação de automóveis sem condutor” e “treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial”.
O Progressistas também paga salário de R$ 9 mil a Lourival Ferreira Nery Jr. Homem de confiança de Ciro Nogueira, Nery foi denunciado pela PGR como intermediário de repasses de R$ 7,3 milhões da Odebrecht ao político.
No PL, o diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) Garigham Amarante, apadrinhado pelo chefe do partido, Valdemar Costa Neto, prestou consultoria de R$ 169 mil à legenda. A informação foi antecipada pelo site Metrópoles e confirmada pelo Estadão. Nas prestações de contas, a descrição fala em “reuniões sobre demandas” no próprio FNDE.
O escritório do advogado Antonio Oliboni, que foi secretário-geral do PSC, recebeu R$ 403 mil em 2021. Trata-se de parte das parcelas de R$ 31 mil mensais pela compra, por R$ 1,2 milhão, de imóvel que pertence à banca de advocacia, no Rio. O contrato foi feito em 2019. Desde 2017, Oliboni alugava o mesmo imóvel para o PSC, por R$ 12 mil mensais.
Secretário jurídico do PTB, o advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha defende o presidente da legenda, Roberto Jefferson, no inquérito das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao Estadão, ele afirma que defende o dirigente gratuitamente, e que é seu amigo há mais de uma década. Em relatórios de prestação de contas ao TSE, Cunha demonstra atuação em uma série de ações na condição de advogado do partido nas cortes superiores. A legenda pagou R$ 1 milhão ao seu escritório de advocacia.
O PTB também pagou R$ 9 mil a uma consultoria do coronel reformado e ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informação Enio Fontenelle, “guru ideológico” de Jefferson. Fontenelle foi contratado para fazer uma análise em telefones e computadores do PTB. Concluiu que Jefferson “corre risco de vida”, por haver, na sede da sigla, “grande vulnerabilidade a ataques de snipers”.
Já o Solidariedade pagou R$ 480 mil à ML2 Consultoria, de Eduardo Bentes Leal, candidato a deputado distrital em 2018 pelo partido. Nas notas, consta que o objeto do contrato é “prestação de serviços de assessoria política”.
Procurados, o Progressistas e o PL não se manifestaram. O PTB não respondeu os questionamentos do Estadão. O PSC não foi localizado. O Solidariedade afirmou que “Eduardo Leal é prestador de serviços desde 2014, o fazendo desde 2016 por meio da ML2 Consultoria”.
Luiz Gustavo Pereira da Cunha afirmou que não recebe salário como dirigente partidário, somente como advogado. “Faço todas as prestações de contas do PTB”, declarou ele.
O advogado de Garigham Amarante, Robson Halley, afirmou que seu cliente “trabalhou por mais de duas décadas no Congresso e é habilitado a prestar serviço de consultoria”. O ex-secretário Antonio Oliboni disse que “não há nada de errado” na transação do imóvel com o PSC.
A reportagem não obteve respostas de José Trabulo e de Lourival Nery e não localizou Enio Fontenelle. (Colaboraram Milka Moura e Lavínia Kaucz)