Walcyr Carrasco: ‘Falar sobre a morte ainda é um grande tabu’
Walcyr Carrasco é mais conhecido como autor de telenovelas de sucesso – títulos como O Cravo e a Rosa e Chocolate com Pimenta, além da minissérie Verdades Secretas, já figuram entre os grandes nomes da TV brasileira. Mas Walcyr ostenta também uma consolidada obra literária, especialmente a dedicada ao público infantojuvenil, com mais de 50 livros publicados. E é justamente o lançamento de duas novas obras que levará o escritor de 70 anos à Bienal do Livro, neste sábado, 9.
A partir das 16h, Walcyr estará no estande da editora Santillana para o lançamento oficial de Meu Lugar no Mundo, seu mais recente livro voltado ao público jovem e que trata de questões espinhosas, como saúde mental e suicídio na adolescência. Ele também assina Êxtase (Assírio & Alvim Brasil), volume que traz o texto da peça teatral que foi encenada em 2002 e que lança um olhar objetivo sobre a realidade dos dependentes químicos.
São dois livros que tratam de momentos delicados da fase juvenil, quando a situação parece fugir do controle e as soluções escolhidas muitas vezes são drásticas demais. A peça Êxtase traz dois jovens: Felipe, usuário de drogas, e Raul, cujas atitudes revelam alguém já perto de virar traficante. Há ainda Tânia, mãe de Felipe, que não percebe as falcatruas do filho para conseguir dinheiro e sustentar o vício. Walcyr pesquisou entre pessoas envolvidas nesse problema para conseguir mais fidelidade.
Já Meu Lugar no Mundo foi inspirado em um episódio da juventude de Walcyr, quando descobriu o suicídio de um amigo. Assim, o autor conta a história de Aleph, adolescente que é constantemente submetido a comparações com seu irmão Ariel, considerado por seus pais um exemplo. O drama se agrava quando uma amiga de Aleph sofre bullying e, não suportando a pressão, comete suicídio. Walcyr trata de um tema delicado e comum entre jovens, quando são questionados a respeito de seu lugar no mundo. Sobre o assunto, o escritor conversou por telefone com o Estadão.
Os dois livros relatam momentos problemáticos vividos por jovens, quando se encontram em situação-limite. Como foi isso?
Há algumas diferenças. Êxtase é uma peça escrita há 20 anos e sobre um tema que me tocava – escrevi com base em depoimento de dependentes químicos em recuperação, visitas a clínicas e leituras. Mas eu não tinha um público-alvo com esse texto. Já Meu Lugar no Mundo, que concluí no ano passado, tem a vocação, a ambição de ser lido por estudantes, como leitura paralela ao currículo escolar. E trata de temas próximos a esse público, com questões sobre o que vou ser e como vou ser. Aleph é um personagem positivo. Já em Êxtase, os jovens não têm saída, cada um tenta cuidar de si e não se importa com o outro. Ao contrário de Aleph e outros personagens, que concluem que não precisam seguir o caminho que é apontado por eles por pais ou professores.
Aliás, o tema do bullying sempre é incômodo, não?
É muito forte. Nos dias atuais, trabalhar e educar um jovem ficou muito difícil em relação ao que era anos atrás, pois há uma grande quantidade de estímulos que os cercam e, às vezes, não é fácil identificar esses estímulos. Antes, era mais fácil para um pai estabelecer um contato com seu filho, mas hoje ele não sabe jogar os brinquedos eletrônicos favoritos dos jovens, o que o afasta dos adolescentes. Claro que há filhos que buscam estabelecer um diálogo, mas há também aqueles que não se interessam. Sei que não é fácil acompanhar a evolução dos tempos. Há 20 anos, fui ao Japão fazer uma pesquisa para uma novela que estava preparando e passei a entender tudo sobre robótica. Hoje, eu não conseguiria assistir a uma aula online, algo que os jovens fazem com naturalidade.
A sociedade ainda tem vergonha de falar sobre certos assuntos.
Sim, suicídio é um deles, é um tabu enorme. Na verdade, falar sobre morte é o tabu. Tenho 70 anos e sei que não viverei mais tanto tempo. Mas, quando falo isso, as pessoas ficam horrorizadas, me preconizam uma vida muito longa, como se eu pudesse chegar aos 140 anos. Sabemos que não somos eternos. Mas o suicídio é um assunto muito delicado, pois representa a decisão da pessoa de abandonar todos os seus sonhos e suas esperanças.
Como foi seu trabalho com esse tema?
Muito antes de escrever meu livro, li uma obra espantosa, O Demônio do Meio-Dia, em que o americano Andrew Solomon, ao narrar sua própria batalha contra a depressão, conta o caso de um amigo que era o rei das festas e, de repente, comete suicídio. Foi uma surpresa pois, aparentemente, ele não deu indícios de que faria isso. Provavelmente, ele deu, mas não perceberam. O potencial suicida nem sempre dá sinal claro de que vai se matar. É um ato que implica um valor moral que só é bem compreendido pelas pessoas que têm uma moral semelhante – não podemos nos esquecer que nossa sociedade estabelece valores religiosos que interferem diretamente nessa moral.
E como foi tratar desse assunto para os jovens?
Parto do princípio de que tudo que é explicitamente educativo é chato. Um livro que coloca a moral da história no final não é nada atraente. Temos de oferecer argumentos para que o leitor tire suas conclusões. Assim, em livro como Meu Lugar no Mundo, procuro abrir caminho para a discussão. Não se pode determinar nada inflexível. Considero terrível o fato de os jovens de 15, 16 anos serem obrigados a escolher uma profissão. É difícil saber a resposta com tão pouca idade.
E como é escrever para um público jovem?
Sou um autor muito intuitivo. Se tenho de escrever um texto para crianças de 7 anos, a ideia sai formatada para essa idade. O mesmo acontece se é uma novela de época. Minha única preocupação é com o público, uma sociedade plural.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.