• Um ramo de flores no sobretudo

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  • 10/02/2018 12:00

    Fui chamado para ajudar a poeta adolescente que interpretaria seu poema, no concurso em Nova Friburgo. Ela queria dicas “cênicas”. Havia apreensão pois ela vivia crise típica da idade, agravada de depressão, más companhias e comportamentos de risco, com torturantes preocupações da família. Não hesitei. Sempre estive em projetos para acordar potencialidades e motivar jovens a boas aventuras e caminhos. Aquele seria um veloz projeto de bolso. Confirmei: você quer minha ajuda? Ela queria.

    O texto era ótimo, trançado em belo ritmo, mas com sequidão aguda de desilusão, com final pessimista. Poema beco sem-saída, revelava o estado de alma da poeta talentosa. Só 16 anos, e já derrotada. Problemas familiares, desamores, bullying sofrido, baixa autoestima, mesmo não explicitados, somavam no desabafo que doía o coração de quem escutava. Ela falava de foto da infância, da qual a luminosa criança que fora a via descer pelo ralo.

    Atravessamos a tarde, trabalhando ênfases, olhares e silêncios. Melhor interpretado, mais pesado o poema ficava. Na construção, percebi: ela precisava ser arrastada para fora da sua depressão. Arrisquei caminho alternativo. Seu auditório teria maioria de adolescentes, muitos em dramas similares, dores iguais. Disse. Imagina a menina que está pensando em tirar a própria vida – e ela tinha um caso recente de colega depressivo que se suicidara – porque se acha zero, de vida sem beleza ou valor, imagina ela escutando você. Este poema de entrega sem saída ao fundo do poço ajuda essa menina? Deu-se longa conversa sobre o propósito da obra de arte.

    Tomei liberdades que normalmente não se deve tomar quanto à criação alheia. Mas aquela vida precisava de motivação, socorro e propósito. Sensível, ela se preocupou com a tal menina. Mas não sabia como fazer. Sugeri. Ponha luz no fim desse túnel. Estávamos em Nova Friburgo. Carlos Drummond de Andrade estudou lá, no Colégio Anchieta. Anos de triste memória, sofrimento e depressão para o grande poeta, expulso da escola. Numa de suas obras ele tem o poema de uma frase só sobre Friburgo, que dá título a esta crônica: “Esqueci um ramo de flores no sobretudo”. Mínimo que diz o máximo. Desde quanto o poeta se desencaixava do autoritarismo jesuíta de então até o quanto era possível dourar de esperança o sobretudo da depressão, nele pondo uma flor. 

    Contei a história e construímos a ideia. Ela terminaria o poema com a pausa e a citação adaptada: “Mas Deus sempre permite um ramo de flores no sobretudo” e sacaria da roupa um ramo de flores. Ela constatou: vou ser desclassificada. Respondi: vai mesmo, porque não tem isso no poema que você inscreveu, mas o que te importa mais? Salvar a menina ou ganhar o concurso? Seus olhos de luz molhada sorriram: salvar a menina.

    À noite, sua interpretação foi linda. Ao final, a citação, flores erguidas, um sorriso acanhado. Foi ovacionada! Um dos momentos dos quais se diz: entendedores entenderão. Entenderam. Que a frase não era dela, que as flores eram luz contra a depressão, e que havia a menina a ser resgatada. A plateia se emocionou. Ao final, surpresa! Ela ganhou todos prêmios da noite. Melhor poema e intérprete. Um júri consciente honrou o texto e compreendeu a citação de última hora, que coroava linda interpretação. A menina é hoje poeta adulta, mãe guerreira e feliz. E, garanto, na plateia daquela noite alguma menina viu Deus acender um fogo bom em seu coração. 

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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