O efeito Martha Mitchell e o (sem efeito) Lula
Em 1988, o psicólogo americano Brendon Maher cunhou o termo Efeito Martha Mitchell. Ele estava se referindo ao escândalo do Watergate durante a administração Richard Nixon. Em 1972, os escritórios do Partido Democrata foram invadidos em Washington com o objetivo de grampear telefones e roubar arquivos confidenciais para fazer chantagem política. Martha era mulher do então procurador-geral dos EUA, John Mitchell, e conhecida por suas opiniões francas em matéria de política, externa e interna. Afirmou em público, por exemplo, que era contra a guerra do Vietnam, o que causou muito desconforto nos altos escalões do governo Nixon.
Quando a coisa foi ficando feia, ela foi mais fundo: “Os homens desta administração (Nixon) esqueceram que uma pessoa de posse da verdade e disposta a falar pode acabar com todo o show”. O processo foi adiante, Nixon conseguiu se reeleger, mas não conseguiu terminar seu segundo mandato, e acabou tendo de renunciar em 9 de agosto de 1974. Talvez, ele tenha confiado demais em sua habilidade de mentir e trapacear, desde os tempos de colégio. Um escritor inglês publicou um livreto intitulado “Tricky Dick”, algo do tipo “Dick [seu apelido] cheio de truques”. De fato, em sua primeira campanha para se eleger deputado federal pelo 12º distrito eleitoral da California, ele acusou seu oponente de ser comunista, mentira que lhe rendeu muitos votos.
Num primeiro momento, as denúncias da sujeira que estava por trás de Watergate foram negadas por Nixon, por John Mitchell e pela equipe do presidente, quando na verdade a invasão foi obviamente autorizada pelo presidente e grupo mais próximo. Martha Mitchell foi inclusive acusada de ter problemas mentais, de ser paranoica, fazendo denúncias aparentemente imaginárias, mas que, segundo Brendon Maher, lá no fundo, eram verdadeiras.
A frase dela que pegou no fígado de Nixon foi a seguinte: “Se Nixon não sabia o que estava ocorrendo em Watergate sob seu nariz, então ele estava sendo negligente.” Ele chegou mesmo a dizer depois, numa entrevista, que, sem ela, Watergate jamais teria existido.
E o que aconteceu com os acusados? Nixon acabou tendo que renunciar, alegando falta de base parlamentar para manter seu governo. John Mitchell foi acusado de cometer atos atentatórios à dignidade da Justiça e por mentir ao júri de acusação e ao FBI. Pegou 19 meses de prisão. Os colaboradores mais próximos de Nixon na Casa Branca e na política foram condenados à prisão pelo encobrimento de Watergate. Nixon se beneficiou de um indulto dado por seu sucessor republicano Gerald Ford, e não foi mais candidato a nada.
Voltemos agora nossa atenção para o caso Lula. Não há necessidade em recontar em maiores detalhes o que aconteceu. Todos temos ainda vivo na memória os fatos acontecidos. A briga famosa entre José Dirceu e Roberto Jefferson pelo não cumprimento do primeiro do acordo milionário estabelecido com segundo foi para o horário nobre da TV, onde assistimos, estupefatos, a lavagem de roupa suja em público, ou seja, o desvendamento das entranhas do mensalão.
Em seguida, veio o petrolão. A Petrobrás foi usada para fins políticos e grossa roubalheira. Um dos acusados recebeu propina de 100 milhões de dólares, que acabou tendo que devolver. As investigações da Polícia Federal e da Lava Jato comprovaram prejuízos à empresa na escala de bilhões de dólares. Houve inclusive processos de investidores estrangeiros, em especial americanos, que processaram a Petrobrás por queda do valor de mercado de suas ações por má gestão. Lambança interna e externa. Ela teve que pagar US$ 3 bilhões em multas estabelecidas pela justiça americana, um fórum adequado dado que a empresa tinha ações na bolsa de Nova York.
A frase já citada, dita por Martha Mitchell, reescrita, se aplica a Lula como uma luva: “Se Lula não sabia o que estava ocorrendo no mensalão e no petrolão sob seu nariz, então ele estava sendo negligente”. No Watergate, era uma questão de invasão de privacidade, e não de bilhões surrupiados, como foi o nosso caso, bem mais grave.
Os analistas da cena política nos torturam com seu esforço para entender a correlação de forças, de um lado e de outro, na vã tentativa de nos explicar os sapos que nos tentam fazer engolir. É verdade que alguns põem o dedo na ferida, mas, no geral, tentam fazer o impossível: apresentar a realidade inadmissível como algo a ser levado a sério. Curiosamente, a figura que nos colocou diante desse imbróglio não tem sido devidamente responsabilizada: o ministro Fachin. Após anos, ele redescobriu a pólvora: o foro teria que ter sido Brasília e não Curitiba. Foi assim que que Lula virou mocinho e Moro, bandido.
Sem novidades, diriam muitos, pois o Brasil foi sempre assim. Alto lá! O historiador Marco Antonio Villa nos informa que ao longo do II Reinado, sob Pedro II, teriam havido dois casos de corrupção exemplarmente punidos. Lembro-me ainda de um tio, profundo conhecedor de nossa História, ter me contado o ocorrido com o tesoureiro do Paço Imperial no Rio de Janeiro. Precisando de dinheiro, pegou certa quantia do caixa, e a repôs uma semana depois. Mas o fato chegou ao conhecimento de Pedro II. A quebra de confiança foi suficiente para que o tesoureiro fosse deportado para Portugal. Os gatunos sabiam que havia sempre uma sentinela alerta, que não compactuava.
Já sabemos o que ocorreu com os envolvidos no Watergate. No Brasil republicano, a coisa foi muito diferente. Deu uma reviravolta completa. Os envolvidos, um a um, foram se beneficiando da leniência do STF a ponto de um deles, o sr. Lula, poder mesmo ser candidato a presidente da república, com base em processos inconclusos, algo talvez sem paralelo nos anais jurídicos.
As recentes pesquisas eleitorais que dão Lula como favorito, até o momento, revelam uma dose brutal de amnésia nacional por boa parte da população. A patota do mensalão e que saqueou a Petrobrás pode estar de volta para nova rodada. Sabor de me-engana-que-eu-gosto. Hora de dizer não ao populismo, sempre a postos para enganar os incautos, que parecem ser muitos…
Nota (*): Meu livro, HISTÓRIA DA AUTOESTIMA NACIONAL, já está disponível, no Rio, na Livraria Galáxia, na Rua México, 31; e, em Petrópolis, na Nobel da Rua 16 de Março. Dica: comece lendo o livro pela contracapa.