‘O sentimento anticapitalista é um tipo de religião’, diz Rainer Ziltelmann
O historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann, de 64 anos, é autor de vários livros sobre o capitalismo e sobre os multimilionários. Nesta entrevista, Zitelmann – que dará uma palestra na I Conferência Internacional da Liberdade, amanhã, em São Paulo – fala sobre seu livro O capitalismo não é o problema, é a solução (Ed. Almedina), lançado recentemente no Brasil. Ele apresenta casos concretos em favor do livre mercado, em comparação com as experiências fracassadas do chamado “socialismo real”, e analisa a resiliência das ideias socialistas após a queda do Muro de Berlim, em 1989.
O sr. diz que o capitalismo não é o problema, é a solução. O que o leva a dizer isso de forma tão categórica?
Há 200 anos, antes do capitalismo, 90% da população mundial viviam na pobreza extrema. Hoje, são menos de 10%. Mais da metade da queda se deu nos últimos 35 anos. Veja o caso da China. No fim dos anos 1950, 45 milhões de pessoas morreram como resultado do chamado “Grande Salto para a Frente” empreendido por Mao Tsé-Tung. Em 1981, cinco anos após a morte de Mao, 88% da população ainda vivia em extrema pobreza. Foi mais ou menos quando começaram a introduzir a propriedade privada e as reformas pró-mercado no país. Hoje, menos de 1% estão nesta situação. Nunca tanta gente saiu do estado de extrema pobreza em tão pouco tempo como resultado de reformas pró-mercado.
O economista francês Thomas Piketty afirma em seu livro O capital no século 21 que o capitalismo levou ao aumento da desigualdade no mundo, em especial nas últimas décadas. Como o sr. analisa as críticas de Piketty ao capitalismo?
O próprio Piketty reconhece que, na maior parte do século 20, a desigualdade diminuiu. Agora, ele diz que, a partir dos anos 1980, 1990, tempos ruins prevaleceram, levando em conta principalmente o que aconteceu nos Estados Unidos e em países europeus. Ironicamente, foi neste período que houve o maior progresso na luta contra a pobreza extrema no mundo. Para mim, a desigualdade não é o ponto principal. A prioridade é a redução da pobreza. No caso da China, que citei há pouco, a desigualdade obviamente aumentou. Mas ninguém está pedindo para voltar aos tempos de Mao, porque havia mais igualdade.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, muita gente pensou que o socialismo ficaria para trás. Mas hoje, 33 anos depois, o que se vê é que o as ideias anticapitalistas não só sobreviveram, como se revigoraram. O que explica esta resiliência?
Nos anos 1990, ninguém acreditava no socialismo, porque a derrocada do comunismo era muito recente. Mas, com o tempo, as pessoas esqueceram o que houve e o anticapitalismo se tornou mais forte de novo. O filósofo (Friedrich) Hegel (1770-1831) disse certa vez que “a única coisa que você pode aprender com a história é que as pessoas não aprendem nada com ela”. É uma afirmação muito pessimista, mas ele tem um ponto aí.
O anticapitalismo parece ter um grande apelo em setores influentes da sociedade e um espaço imenso no debate. Isso também não reforça a resistência das ideias socialistas?
Os defensores do livre mercado perderam a guerra ideológica. Os inimigos do capitalismo são muito mais fortes na comunicação. As pessoas que deveriam defender o capitalismo, como os empreendedores, não fazem isso. Os socialistas comparam o capitalismo real com a utopia de uma sociedade perfeita. Isso não é justo. Eu sou um historiador. Levo em conta os fatos históricos. Comparo o capitalismo com o que é possível comparar, com base exemplos concretos: Chile X Venezuela, Coreia do Sul X Coreia do Norte, Reino Unido antes e depois da (Margaret) Thatcher. Os socialistas tentaram de tudo: um modelo na China diferente da União Soviética, um modelo na Iugoslávia diferente da Romênia. Quando os regimes fracassam, eles não entendem que a ideia é que estava errada e não a forma como o socialismo foi implementado.
Na sua avaliação, por que o capitalismo gera tanta oposição e tantas críticas?
Eu considero o sentimento anticapitalista como um tipo de religião. No passado, a religião era muito forte na Europa. No mundo moderno, o anticapitalismo se tornou uma nova forma de religião. O papel do diabo hoje é desempenhado pelo capitalismo. Você pode culpar o capitalismo por todos os problemas do mundo: pobreza, fome, mudanças climáticas, guerras, sexismo, racismo e até a escravidão, que foi adotada bem antes do capitalismo. Até seus fracassos pessoais na vida você pode atribuir ao capitalismo. A diferença entre a religião e o anticapitalismo é que a religião promete o paraíso depois da morte e o socialismo promete em vida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.