• ‘A cultura é inimiga dos políticos’, diz cineasta

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  • 21/05/2022 07:00
    Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

    Como único cineasta russo na competição do 75º Festival de Cannes, com Tchaikovsky’s Wife (A Mulher de Tchaikovski, na tradução livre), Kirill Serebrennikov tem sido obrigado a responder muito pelo seu país de nascimento, a Rússia, e sobre a guerra na Ucrânia. Não que ele se importe de falar de política. “A cultura é política. Não é sobre política, é política”, disse ele em entrevista com a participação do Estadão. “As obras de arte nos fazem pensar, sentir, nos fazem mudar de posição. E por isso a cultura é inimiga dos políticos. Eles preferem a propaganda.”

    Serebrennikov livrou-se das acusações de uso indevido de financiamento governamental e recebeu de volta o passaporte que o impediu de apresentar pessoalmente Verão (2018) e A Febre de Petrov (2021), em Cannes. Seus defensores dizem que foi um caso de perseguição por parte do governo de Vladimir Putin. Em março, Serebrennikov foi autorizado a deixar o país e se exilou em Berlim. “Eu fui inocentado, eles não tinham mais o que fazer comigo”, explicou. “Sou um inimigo. Fui pressionado por anos. Não gostam do meu cinema, do meu teatro. Então a melhor solução era se livrar de mim, me chutar.”

    Indagado se acredita que, hoje, um artista pode se calar diante do que está acontecendo, ele disse que é uma pergunta difícil, mas que sua posição é óbvia. “Como cineasta, eu acho que preciso falar de política”, afirmou. “Como budista, eu não posso estar dentro da violência. Não sou contra a guerra porque desejo ter trabalho. Não é meu caso, mas muita gente que fugiu da Rússia recentemente perdeu tudo simplesmente porque não aceita fazer parte disso. Se você é russo, sente na pele que participa da guerra, da violência.” Ele afirmou, porém, que nem todos que permanecem na Rússia concordam com o que está ocorrendo. Muitos estão sendo presos apenas por segurar cartazes em branco. E que é muito doloroso, inclusive, para quem sai, pois quem fala russo imediatamente é identificado como apoiador de Putin.

    Ele agradeceu à organização de Cannes por ter acolhido o filme, resistindo aos pedidos de que todas as produções russas fossem banidas. “Eu entendo, porque os ucranianos estão escondidos em porões, estão perdendo amigos em uma guerra real e um caos sangrento sem rumo”, observou.

    Tchaikovsky’s Wife fala do casamento de Piotr Ilitch Tchaikovski e Antonina Miliukova. O compositor decidiu se casar para dar fim aos boatos sobre sua homossexualidade. Ele teve uma crise, e a separação levou sua mulher a ter problemas de saúde mental. “É interessante relatar uma história nunca contada”, lembrou Serebrennikov. “O filme é baseado na realidade, em cartas e diários. É quase um docudrama. O meu principal objetivo é contar aos russos algo mais sobre um gênio. Eles só sabem que é um grande compositor do qual temos de nos orgulhar, a estátua que devemos adorar.”

    PONTE

    Tchaikovski (1840-1893), acrescentou o diretor, foi considerado o primeiro compositor russo-europeu. “Ele é uma espécie de ponte entre a Rússia e a Europa, o resto do mundo. Ele era muito popular no Ocidente, o que fez com que seu sucesso na Rússia diminuísse. Havia uma atenção excessiva em cima dele por causa disso. Muitos o criticavam por ser uma cópia dos europeus. E essa é sempre uma questão na Rússia: o que é russo, o que não é russo?”

    O filme também foca uma questão atual: é possível separar a obra do artista? Ou seja, podemos continuar gostando do trabalho mesmo quando o homem (ou a mulher) não é um bom ser humano? “Explorar isso era um dos meus interesses, porque algo que faz parte do sentimento russo é a peça de Alexander Pushkin, Mozart e Salieri, que discute se a genialidade e a maldade podem estar juntas em uma única pessoa.”

    Serebrennikov realizou este filme para seus compatriotas. Mas sabe que dificilmente eles vão conseguir vê-lo nas salas de cinema. “A minha maior esperança é o século 21, que trouxe transparência. Então podem banir ou impedir a projeção. Mas há muitas possibilidades digitais para o filme. Eu não me preocupo com isso. Apenas lamento não poder mostrá-lo aos meus amigos e às pessoas que amo, ao público russo, o que seria bacana de fazer em um estado normal.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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