• ‘Hoje está muito difícil ser uma artista negra no Brasil’, diz Luedji Luna

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  • 20/05/2022 09:05
    Por Laila Nery, especial para o Estadão / Estadão

    Foram quatro tentativas de entrevistar Luedji Luna para escrever essa reportagem. Agenda sempre cheia, de quem pode ser uma cantora indicada ao Grammy Latino e ao mesmo tempo dispensa a ajuda de uma babá por acreditar que o filho, Dayo, precisa sentir a presença da família.

    Luedji Luna é cantora, baiana, nascida em Salvador. Aos 34 anos, coleciona alguns sucessos e está se preparando para uma turnê na Europa. Tornou-se conhecida em todo território nacional com o primeiro disco, de onde viralizaram as canções Banho de Folhas e Um Corpo no Mundo. As letras são marcadas pelas suas próprias experiências como mulher negra que decidiu mostrar ao mundo sua perspectiva sobre ele.

    Com o sucesso, veio o segundo álbum, que foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água. Ao Estadão, ela contou como funciona o seu processo criativo e falou sobre os desafios e os próximos passos na carreira.

    O que significa o ‘Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água’, de onde veio a inspiração que te levou ao Grammy?

    Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água é o meu segundo álbum da carreira, e foi construído no trânsito, nas viagens, nas turnês, no avião, na van. Porque o meu primeiro disco foi, de fato, o que me projetou nacionalmente, por conta dele eu comecei a fazer muitos shows e a criar muito, no meio disso tudo eu tive tempo e inspiração para fazer as músicas e enquanto eu escrevia, entendi que o tema que se repetia era o amor. A temática do amor está muito presente nas letras, tem muitas canções em parceria, mas eu sempre como letrista, em boa parte delas.

    O resultado foi esse mergulho nesse tema, muito sensível para mulheres negras. É o amor a partir desse olhar, da nossa perspectiva. Minha, mas de Tatiana Nascimento, Conceição Evaristo, Cidinha da Silva, Nina Simone. Nasce dessa minha necessidade de olhar para os meus sentimentos, dar voz e fazer com que isso se popularize de alguma forma. Há um apagamento nosso também nesse quesito. Somos invisibilizadas, não nos vemos na mídia, novela ou literatura como musas, objetos de desejo, princesas que acham o príncipe. É como se não existíssemos no campo da afetividade.

    Ele é um álbum que nos coloca como protagonistas, vai além do clichê. Não é só sobre solidão, também tem desejo, sexo, putaria, maternidade, tem tudo. A gente vive tudo isso. O meu processo de criação foi assim.

    Você acha que o Brasil tem abraçado mais e amado as mulheres negras que trabalham com arte?

    É para ser sincera? Quando eu surgi na música, encontrei um contexto diferenciado. Eu sou de um geração que surge no contexto da internet, quando o meu clipe Um Corpo No Mundo viralizou, muita gente começou a me conhecer e aí tudo aconteceu. Mas eu não surjo sozinha, eu vim com um bonde enorme, de cantoras negras em suas diferentes vertentes. Era um grande celeiro de corpos dissidentes, que não estávamos acostumados a ver e ouvir, aparecendo no mercado. Inicialmente, foi um momento muito positivo para mim e para esses corpos que sempre foram vilipendiados, afastados dos processos de indústria midiática.

    Naquele momento, quando me faziam essa mesma pergunta que você está me fazendo agora, eu respondia: “sim, a gente tá tendo mais visibilidade, é um bom momento para as mulheres negras sim. Mas eu não sei se isso é um momento ou se isso é uma mudança de paradigmas para a sociedade brasileira”.

    Agora, os anos se passaram e acho que já estivemos melhor. Muita coisa mudou, muitas artistas que surgiram naquele período continuam fazendo seus shows, mas não com a mesma demanda, respeito, patrocínio e visibilidade. Não somos tão valorizadas na indústria quanto as artistas brancas que surgiram naquele mesmo período.

    O Brasil tem feito as suas escolhas e são as mesmas escolhas de sempre. Então hoje a minha resposta é não. A gente sempre tem que trabalhar três vezes mais para conseguir uma publicidade, engajamento na internet, ou uma capa de revista, por exemplo. Entra ano e sai ano e sempre vai ser uma cantora branca que é o hype do País. Hoje tá muito difícil ser uma artista negra no Brasil.

    Há cinco anos, conhecemos uma Luedji Luna também muito diferente em outro aspecto: você ainda não era mãe. O que muda com a maternidade?

    Mudou tudo. Tá o caos. Estou fazendo a entrevista num restaurante, porque não ia conseguir chegar em casa a tempo. Trouxe o meu filho para a escola e o meu marido, que também é músico, está ensaiando em casa. É uma maratona conciliar os dois empregos. A maternidade é um trabalho vitalício e perene que eu escolhi e amo, mas tem sido um quebra-cabeça conciliar. A Liniker me mandou uma mensagem agora, perguntando se eu estava no País, porque ninguém me vê. Mas estamos aprendendo juntos, meu filho tem pouco mais de um ano e estamos nos ajustando, percebo que, à medida que ele cresce, estamos nos adaptando ao novo.

    Com tantas mudanças, o que podemos esperar da sua carreira musical para o próximo ano, quais novidades estão por vir?

    Agora eu estou gravando a versão Deluxe do Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água, que vai contar com muitas parcerias, do Brasil e exterior. Em agosto saio em turnê pela Europa e devo passar pela Inglaterra, Alemanha, Portugal, Holanda e França. Depois sigo para algumas cidades da América do Norte, Nova York, Chicago e Toronto. O terceiro disco está surgindo aos poucos, mas ainda não tem previsão de lançamento.

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