• ‘Os investidores estão preocupados com retrocessos’, diz Mesquita

  • 15/05/2022 09:10
    Por Aline Bronzati, correspondente, e Renata Pedini / Estadão

    O mercado não quer ver no País retrocessos institucionais e de política econômica no próximo governo, diz o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Mário Mesquita. Segundo ele, que esteve em Nova York para o Latam CEO Conference, promovido pelo Itaú BBA, os investidores estrangeiros estão preocupados, mas têm uma visão de Brasil de “neutra para construtiva”.

    Essa visão se explica por alguns motivos. Os principais, segundo Mesquita, são o fato de o Brasil ter avançado na vacinação da covid-19 e de não ter interferência direta na questão da guerra entre Rússia e Ucrânia.

    Porém, o conflito também está afetando as expectativas de inflação e crescimento por aqui. Por esse motivo, Mesquita admite o risco de revisar ainda mais para cima suas previsões de inflação em 2022 e 2023, no caso de uma pressão persistente nos combustíveis. Ao mesmo tempo, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no primeiro trimestre deve ter tido um crescimento bastante robusto, diz o economista.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

    Qual a visão do investidor estrangeiro sobre o Brasil?

    Tem uma atitude até mais construtiva do que em relação à economia mundial. O Brasil está longe da guerra. Na pandemia, mesmo do jeito que foi tumultuada, a vacinação funcionou e parece que, de fato, estamos emergindo. Sobre o ajuste monetário, no Brasil, muito provavelmente o fim do ciclo está próximo, temos mais duas altas (da Selic) até 13,75%, mas pode ser que o BC termine antes. Estamos numa situação bem diferente da dos EUA e Europa. Um mundo mais complicado, com aversão a risco, não é um ambiente muito bom para o Brasil, mas tem esses diferenciais positivos. Outro ponto onde tem sempre muita discussão é agenda de reformas e privatizações, Eletrobras vai ou não vai, enfim, os investidores estão divididos em relação ao timing.

    Além de Eletrobras, tem a Petrobras. O novo ministro do MME, Adolfo Sachsida, pediu estudos para a privatização. Ela é possível?

    Não sei se seria viável fazer essa privatização dado os trâmites todos no Brasil até o fim deste ano. O timing desse tipo de operação é difícil de prever. O foco aqui, por enquanto, é na Eletrobras, que está bem encaminhada. Depois disso, outras possibilidades podem surgir.

    O IPCA de abril reforça a expectativa do Itaú de uma inflação mais alta?

    As projeções de inflação são sensíveis a câmbio e preços de commodities, em especial, tudo que tem a ver com combustíveis. Se tivermos uma pressão persistente no preço da gasolina, a Petrobras tiver de reajustar o preço, vamos ter de incorporar isso na projeção de 2022, e acaba escorregando um pouco. E, dependendo da intensidade, influenciando 2023. Tem esse risco, sim. Se commodities, por outro lado, caírem, poderia até gerar uma revisão para baixo. Hoje, vemos os riscos de alta mais intensos do que os de baixa.

    Como os investidores estão enxergando as eleições no Brasil?

    O que o mercado não quer ver são retrocessos, institucional e de política econômica. Com essa ótica, quando o mercado examinar a eleição com mais atenção, ele vai olhar esses critérios.

    Quando se fala a respeito de retrocesso institucional, esse é um tema que ainda coloca o Brasil em evidência? Esse é um fator que pode pesar para o investidor?

    Esse tema está realçado por tudo o que está acontecendo no mundo. Então, no tema institucional, as pessoas prestam mais atenção do que prestavam antes do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) ou antes do (ex-presidente dos EUA Donald) Trump. E tem também o tema do retrocesso econômico. Você escuta o que vai ser da agenda de privatização, de reformas, para onde o Brasil vai caminhar, enfim, começa a ter perguntas sobre isso. Mas, assim, não é que seja o foco. Esse não foi o grande tema de nenhuma das reuniões em que eu participei. Ainda tem muito foco no curtíssimo prazo dada essa volatilidade toda.

    Mas, na sua opinião, a depender do candidato que vencer nas urnas, em outubro, podemos ter retrocesso institucional ou econômico? Enxerga esse risco?

    Os investidores estão preocupados com isso. Eu acho que as instituições do País são sólidas, que as reformas econômicas adotadas em 2016 têm uma lógica importante e que elas devem contribuir para o Brasil voltar a crescer. As reformas ainda não estão completas. Agora, sempre há incerteza. As políticas econômicas ainda vão ser debatidas durante a campanha. Vamos aprender mais sobre elas nos próximos meses, e será possível formar uma opinião mais balizada.

    Passado o pleito, tem 2023. De forma geral, como deve ser o primeiro ano?

    O fiscal está melhorando no curto prazo; o resultado primário, melhor, e a dívida, mais bem comportada. Mas quando fazemos simulações de médio prazo, observamos uma tendência de alta, especialmente se o gasto real voltar a crescer todo ano como crescia até 2016. Se você gastar mais para fechar as contas, vai ter de tributar mais. Pode ser que no ano que vem tenhamos uma grande discussão nacional sobre gasto e imposto, o que é normal das democracias. É uma decisão que a sociedade vai tomar. Se não, pode-se emitir mais dívida. Mas ela já representa 80% do PIB, e isso não é uma herança brilhante que vamos deixar para as próximas gerações.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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