É pra comer
Quem anda pelo Centro Histórico de Petrópolis, certamente, já encontrou um rapaz que, sentado na calçada com a mão estendida, pronuncia estas palavras: “é pra comer, café com pão, cafezinho, é pra comer…”
Ele está há muito tempo nas ruas. Eu o vi, pela primeira vez, na rua 16 de Março. Tentei conversar com ele, mas não tive êxito, as respostas que recebia eram lacônicas: não, é, nada, o quê?…
Havia o desejo de cogitar a possibilidade de convidá-lo para ir à Chácara Nossa Senhora Aparecida, fundada pelo Padre Quinha, que coordenava a Pastoral de Rua, hoje essa coordenação é exercida pelo Padre Rafael.
Essa minha tentativa não avançou, ele mergulhava no silêncio com um olhar longínquo, como se o mundo fosse um lugar distante, do qual não fazia parte. Contudo mantive a esperança de encontrar outra oportunidade para dialogar.
Com o passar do tempo, vi que os problemas psicológicos dele se agravavam. Encontra-se hoje em um estágio bastante complexo. Não é o único com problemas mentais que vive nas ruas, por isso vejo o quanto é importante a criação de uma casa de acolhida, na qual a população em situação de rua possa ter um abrigo para fazer a higiene pessoal, usar um banheiro, além de ter uma assistência social de inclusão. Nessa ação, a participação do poder público é imprescindível.
Além das doenças mentais, existem outros fatores que levam uma pessoa a morar nas ruas. Entre eles, estão: o alcoolismo, a dependência química, o desemprego, a violência dentro de casa que leva a quebra de vínculos familiares…
Em 23 de dezembro de 2009, foi instituído o decreto de n° 7.053, que estabeleceu as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Esse decreto, no parágrafo único, determina:
“Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. ”
No 6° artigo do referido decreto, estão as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Entre as dez mencionadas, destaco:
“II – responsabilidade do poder público pela sua elaboração e financiamento;
III – articulação das políticas públicas federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal;
IV – integração das políticas públicas em cada nível de governo;
V – integração dos esforços do poder público e da sociedade civil para sua execução;
VI – participação da sociedade civil, por meio de entidades, fóruns e organizações da população em situação de rua, na elaboração, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas. ”
No inverno, é comum a mobilização da sociedade em torno de campanhas para arrecadar agasalhos. No período natalino, cresce o número de pessoas que saem, à noite, oferecendo refeições para os que estão dormindo nas ruas. Em Petrópolis, na noite do dia 25/12, a Pastoral de Rua faz uma ceia em frente ao Edifício Santo Antônio. No início, éramos poucos. O número de participantes cresceu. No natal passado, havia mais de 200 pessoas.
Sei que agasalhos, refeições são medidas paliativas. Porém as vejo como ações emergenciais, permitem um contato com a população sem abrigo. Não há dúvida que uma ação mais concreta precisa da participação do poder público. Ninguém mora na rua por prazer.