• Roseando

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  • 20/11/2017 12:00

    Ouça o silêncio. Calo para ouvirmos juntos. O canto de cada um precisa do manso, sem ruído. As lembranças falam por dentro. Quem as tem não carece de asas. Há uma voz que não passa pelo ouvido, vai direto à consciência: – o Livro.

    A leitura tem chave, abre portas. Página a página, passo a passo, ler para conhecer-se, para aprender a lidar consigo. O livro é espelho do ser. Escrever é decifrar-se. Não existe o bem nem o mal fora do homem. O conflito entre eles move as tramas que desejam traduzir a vida. Enquanto houver um vivente, haverá o desejo de saber quem se é.

    O viver é água de rio no leito do tempo. Como este é irreversível, existe a memória para guardar o já vivido. Recorda-se o que está atado ao coração e/ou à mente. Reviver sem medo da travessia da saudade é estar aberto ao desafio de sonhar sem fechar os olhos, apesar do perigo à vista. O tempo não descansa, por isso é bom ser criança sem relógio no pulso. Quem acumulou passado sabe o preço dos minutos consumados, sente, no corpo, o medo da queda.

    Gosto do diálogo no silêncio. As palavras criam laços. A linguagem revela a inquietude do que bate no peito, indecifrado. Sente-se. A Literatura é também esta via desviada. Talvez seja em linhas tortas que se encontre o reto viver, até nelas Deus escreve. Triste deve ser o homem que se considera deus, principalmente quando se depara com o ponto final da vida, sem ter feito nada que possa ser guardado com boas lembranças.

    Foi João Cabral quem desatou o nó das minhas leituras. As indagações diante da poesia dele levaram-me a-mar a dentro. Mas um outro João, o Guimarães Rosa, foi quem me fez enxergar a beleza do talhar a vida na linguagem. Esculpir no verbo a vivência. A esses dois joãos, serei sempre grato. 

    O Rosa partiu para o outro lado do mistério em 19 de novembro de 1967. Passaram-se 50 anos, mas quando leio sua obra, vejo-o presente. A Arte perpetua… 

    Agradeço aos dois os sertões que encontrei, além dos que vivi. É preciso ouvir o galo que canta na manhã. Este canto vence a escuridão, anuncia os raios do Sol. A luz vem do Amor. Teço, com esperança, a fé. Quem tem paz na consciência encontra forças para vencer a solidão. Não caminho só. Comigo vou, sem medo de me acompanhar. Quando quero entreter-me, leio. Dia-logo com quem me faz crescer. Não perco a oportunidade de encontrar Pessoa.

     Não canso de reler “Grande Sertão: Veredas”, obra do Rosa, por quem Drummond indagou: “João era fabulista? / Fabuloso? /Fábula? / Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum? (…) Ficamos sem saber o que era João/ e se João existiu/ de se pegar. ” (21/XI/ 1967)

    O João, que era palpável, tornou-se pó. Mas este que está na nossa memória vive no silêncio de suas obras, presente no ser-tão que traduziu.

    Movido pelo desejo de ver a realidade da ficção, em 5 de janeiro de 1997, estive com Manuelzão, em Andrequicé, depois de passar por Cordisburgo, cidade em que Rosa nasceu. Nas veredas dos gerais, vi, sem saudade do mar, o São Francisco. Havia terra molhada com minhoca para se lançar aos peixes. Hoje o que se vê… é triste!…

     Em “Grande Sertão: Veredas”, disse Riobaldo:

    “Amigo, pra mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. ”

    A leitura aproxima, encurta o distante, quem está longe fica perto, mesmo já tendo partido. Amizade construída em prosa ou verso vence a distância. Rosa está aqui.

    P.S.: Em16/11/2017 – Começou uma saudade de Glorinha Rattes, uma poeta de poesia cândida.

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