Usucapião simplificado: SC emite registro de posse para 24 mil famílias
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu até 30 de junho a ordem para suspender despejos, remoções forçadas e desocupações na pandemia. Barroso sinalizou, no entanto, que esta deve ser a última vez que a decisão é prorrogada, já que o papel da Corte na regulação do tema tende a se ‘esgotar’ com a desaceleração da crise sanitária.
O ministro também pediu que o Congresso Nacional estude um regime de transição para evitar uma ‘crise humanitária’ depois da pandemia. Em alguns casos, no entanto, a solução para o drama das famílias que vivem sob o risco de despejo pode estar ao alcance do próprio Judiciário. É o caso do programa Lar Legal, desenvolvido desde 1999 pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).
O programa se propõe a legalizar títulos de propriedade para famílias carentes que vivem em loteamentos clandestinos ou comunidades empobrecidas, sem condições financeiras nem acesso à regularização por meio da Justiça comum.
Ao todo, 24 mil pessoas foram atendidas pela iniciativa. Com o título em mãos, as famílias podem dar entrada em financiamentos e até negociar o imóvel.
O programa funciona em parceria com as prefeituras catarinenses, que têm interesse na legalização dos imóveis para aumentar a arrecadação – o registro abre caminho para a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
As próprias prefeituras identificam regiões com potencial para serem atendidas pelo programa. Os imóveis precisam estar localizados em áreas urbanas ou urbanizadas, desde que não sejam áreas de risco ou de preservação permanente. Outro pré-requisito é que a família viva no imóvel há pelo menos cinco anos.
A triagem e o cadastro das famílias é feito pelas prefeituras, via Procuradoria Geral do Município, por advogados ou ainda por empresas privadas, que em geral cobram valores mais baixos que a cotação do mercado e oferecem condições excepcionais para facilitar o pagamento pelos serviços prestados. O trabalho envolve o levantamento de documentos, a produção de uma planta simplificada da área e a elaboração de um memorial com as características da região.
“Isso acaba chegando ao Judiciário como um processo, como uma ação judicial já pronta”, explica o juiz Fernando Hickel, um dos magistrados que trabalha no programa.
Com os pedidos de legalização em mãos, os juízes levam em média 90 dias para publicar a decisão. A análise é feita em bloco, em uma espécie de processo de ‘usucapião simplificado’. Em alguns casos, mais de mil famílias são atendidas em uma vez.
“O loteamento não vai deixar de ser irregular. A responsabilidade do loteador não é extinta. Isso não entra na discussão. O programa apenas fornece o registro às respectivas famílias, ou seja, trabalha com a regularização registral. Não é um cheque em branco. É um primeiro passo para trazer dignidade às famílias que muitas vezes vivem há anos naquele imóvel sem um registro de posse”, explica Hickel.
O programa foi replicado no Paraná, em Mato Grosso do Sul e no Piauí. Os tribunais de Minas Gerais e da Bahia também mostraram interesse em reproduzir a iniciativa.
“O Lar Legal começou como um projeto e depois virou um programa. Hoje ele vem sendo respaldado pela atual gestão do tribunal como uma forma justamente de resgatar a cidadania e dignidade das famílias. É interessante porque normalmente uma sentença desagrada pelo menos um dos lados, quando não os dois. No caso do Lar Legal não, todos são beneficiados”, defende o magistrado.
A aposentada Cleuza Fátima Magrini Moreno foi uma das beneficiárias do programa ao lado de outras 42 famílias que moram no bairro Pachecos, em Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis. Os moradores buscavam a regularização dos seus imóveis há mais de duas décadas.
“Batalhamos por muito tempo. Foram anos para pegar essa documentação porque era um terreno desapropriado de uma empresa, que lotearam e ficamos esperando a documentação. Foi bem rápido quando chegou ao Tribunal de Justiça, nós nem esperávamos”, afirmou. “Além de ser um documento de escritura, ele também já veio com a matrícula, isso nos dá mais segurança. É um documento que garante a propriedade e uma vida mais digna e tranquila.”