‘As crianças têm que fazer perguntas’, diz o historiador Yuval Harari
Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens, nunca ensinou história para crianças, mas tem uma pista de como convencê-las de que o assunto é interessante. “Não fale da história como se ela pertencesse ao passado. Comece pelos problemas que enfrentamos hoje. E prefira soltar perguntas a fazer grandes explicações”, disse o israelense em sua passagem pela Feira do Livro Infantil de Bolonha. Ele anunciou que prepara a série juvenil Unstoppable Us, sobre como os humanos dominaram a Terra, e falou sobre a Ucrânia e o peso de uma história que devemos deixar para trás.
Unstoppable Us terá quatro volumes e no Brasil vai se chamar Implacáveis. O primeiro livro da coleção, Implacáveis: Como Nós Conquistamos o Mundo, será publicado pela Companhia das Letrinhas em setembro. A cada ano, um novo volume chegará às livrarias. As ilustrações são de Ricard Zaplana Ruiz. Foi desenvolvido, ainda, um workshop de quatro horas, com jogos para ser usado em sala de aula. “Depois de Sapiens, comecei a receber pedidos de adaptação para crianças, mas eu não tinha tempo nem habilidade para fazer isso. Então me uni a pessoas especiais e, embora tenha apenas um nome na capa, ele foi feito por muita gente”, disse.
Este é um livro que conta a história dos humanos desde os tempos em que éramos apenas macacos vivendo na savana e segue até o tempo em que nos tornamos quase deuses por voarmos em aviões e espaçonaves. “É o livro que eu queria ter lido quando tinha 10 anos e é, de uma certa forma, um livro que escrevi para o meu eu de 10 anos.” Segundo o autor, se ele conhecesse essas informações naquela época, quando só estudava religião, muitos dos seus problemas não existiriam.
“Somos prisioneiros da história inventada pelos mortos do passado que ainda dominam nossa vida”, disse o historiador. “Se formos pensar na tragédia da Ucrânia, é uma única pessoa impondo sua fantasia a milhares de pessoas. E ele tem o poder de transformar sua fantasia pessoal numa tragédia para milhares de pessoas. Para mim, a questão de aprender história não tem a ver com lembrar o passado, mas sim nos libertarmos dele. Não podemos mudar o passado. Mas podemos nos libertar dele para podermos criar um futuro melhor.”
Ainda sobre a questão política, Harari diz que uma pequena elite domina tudo e usa seu poder para dissolver a confiança entre as pessoas. “Quando as pessoas não confiam umas nas outras, elas não conseguem se organizar e não se unem contra nada nem ninguém, incluindo os ditadores.”
A História é, em sua opinião, chata quando focada no passado. “O jeito de transformá-la em algo interessante é começar pelos problemas que enfrentamos hoje. Podemos começar por uma conversa sobre bullying para chegar aos ditadores, ou colocar a pergunta ‘por que temos que ir para escola?’ para voltarmos à Idade Média.”
Yuval Harari acredita que devemos escutar as crianças, mais do que falar para elas. “Devemos levantar questões como ‘quais são as diferenças entre judeus e árabes e por que eles estão brigando?’ e ver a cabecinha delas funcionando.” O mais importante, ele diz, é fazer com que sejam curiosos sobre questões essenciais que já foram esquecidas pelos adultos. Assim, o que o historiador busca com esse novo projeto é fazer com que as crianças questionem mais. “Todo ser humano, na infância, faz perguntas, mas depois as deixamos de lado. É muito importante continuar fazendo essas perguntas profundas e fundamentais ao longo da vida e descobrir o que nos conecta.”
Ainda nesta linha, Harari deixa um recado: “Mantenha vivo o sentimento de confusão e ignorância das crianças. Elas têm que fazer perguntas”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.