O governo Jair Bolsonaro decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar retirar o arquipélago de Fernando de Noronha do Estado de Pernambuco e repassar seu domínio à União. O ministro Ricardo Lewandowski será o relator do caso.
Em sua ação com pedido de liminar apresentada ontem contra governo estadual, a União critica o governo de Pernambuco e diz que este “vem descumprindo os termos do contrato e embaraçando a atuação da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e de órgãos ambientais federais na gestão da área”.
Ao descrever as supostas irregularidades, o governo Bolsonaro aponta situações como concessão de autorizações indevidas “para edificações na faixa de praia sem autorização” e expedição de “Termos de Permissão de Uso” em contrariedade com a legislação. Segundo a gestão de Bolsonaro, haveria ainda “crescimento de rede hoteleira em ocupações irregulares, com várias denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal”, além de conflitos de competências e na proteção do meio ambiente entre o Ibama e a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco.
De acordo com a peça, cabe ao governo de Pernambuco a “competência político-administrativa” da região, mas não “o domínio da respectiva área” ao Estado.
O secretário de Meio Ambiente do governo de Pernambuco, José Bertotti, disse ao Estadão que a ação é “completamente descabida” e que o governo de Pernambuco está seguro sobre o cumprimento do que está previsto em lei.
“A Constituição de 1988 consigna que Fernando de Noronha faz parte do território de Pernambuco. É um distrito estadual administrado pelo governo do Estado. Não tem o menor cabimento essa ação de Bolsonaro”, disse. “Infelizmente, toda vez que Bolsonaro vem ao Nordeste, é para criar factoides para estar na mídia. É algo descabido, inconstitucional. Além disso, o governo de Pernambuco tem feito tudo e cumprido tudo que está previsto no plano de proteção e gestão de Noronha, ao contrário do governo Bolsonaro, que não fez nada e nem aportou nenhum recurso na região.”
No pedido encaminhado ao presidente do Supremo, Luiz Fux, a Advocacia-Geral da União dá ênfase para que “seja declarada a titularidade dominial da União quanto ao Arquipélago de Fernando de Noronha” e o Estado de Pernambuco seja obrigado a cumprir o contrato de cessão do território, assinado em 2002, ainda durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
A AGU exige ainda que o governo pernambucano forneça as informações necessárias “para que a União seja ressarcida quanto aos valores devidos a título de pagamento mensal sobre as áreas remanescentes cedidas”.
O governo Bolsonaro também exigiu que o Supremo condene na área civil o Estado de Pernambuco por não ter atuado conforme o contrato e dificultado a atuação da União “no sentido de impedir as ocupações e usos irregulares de áreas públicas na Ilha de Fernando de Noronha por particulares, possibilitando a respectiva cobrança de multas e custos de eventuais demolições e remoções”.
Na contramão das exigências no Judiciário, Bolsonaro tem apoiado projetos em tramitação no Congresso para autorizar o garimpo em terra indígena, o que foi desaconselhado até mesmo por grandes mineradores que apontaram a possibildiade de estabelicimento do garimpo ilegal nessas áreas.
A AGU argumentou que a área pertence à União, porque as Constituições de 1967 e 1988 teriam destinado ao governo federal “o domínio integral sobre o mencionado arquipélago, sem que tenha havido transmissão ou entrega da titularidade dominial daquela área, sob qualquer título jurídico, ao Estado de Pernambuco”.
Governo de Pernambuco
Por meio de nota, o governo de Pernambuco declarou que “a população de Fernando de Noronha gostaria que o governo federal tivesse a mesma persistência e celeridade que empenha num processo judicial extemporâneo e que agride a Constituição para fazer cumprir a promessa, divulgada em 2019, de que iria realizar o saneamento básico da ilha”.
O projeto básico do esgotamento sanitário, segundo o governo estadual, foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente desde fevereiro de 2020 e vem sendo reiteradamente ignorado.
A gestão estadual afirma que, em relação ao mesmo processo agora levado ao Supremo Tribunal Federal, a 9ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco já se manifestou no último dia 15 de fevereiro, em decisão na qual “indefere-se, por ausência congênita de legitimidade ativa para a causa, a inicial do processo ajuizado por União Federal contra Distrito Estadual de Fernando de Noronha”.
“Enquanto a ‘ação’ do governo federal se limita às cortes, o governo de Pernambuco tem intensificado as entregas na ilha com recuperação das estradas vicinais, instalação de iluminação de LED, reforma do porto e o fim do rodízio no abastecimento de água com um novo dessalinizador. Além dos projetos ambientais de destaque como o Plástico Zero e o Carbono Zero, referências nacionais de preservação ecológica”, declarou.
A nota conclui com a afirmação de que “Fernando de Noronha sempre fez parte de Pernambuco” e que, por sua localização estratégica, foi considerada território federal em 1942 e utilizada como base militar na época da Segunda Guerra Mundial. “Com a Constituição de 1988, voltou a compor o patrimônio do estado de Pernambuco. É um orgulho do povo pernambucano e vai continuar sendo.”
Em novembro do ano passado, o governo federal retirou a administração da Fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios, prédio histórico erguido no arquipélago de Fernando de Noronha, do governo de Pernambuco. A gestão do arquipélago é feita pelo governo estadual, sob concessão da União. A avaliação do Ministério da Economia, porém, é de que foram relatadas degradações na estrutura e necessidades de novos reparos. Na prática, o governo federal afirma que a gestão estadual não fez o trabalho como deveria.
O governador Paulo Câmara (PSB) é forte opositor de Bolsonaro e a gestão de Fernando de Noronha tem sido um dos temas de atrito entre os governantes. Em outubro passado, o governo pernambucano recorreu à maior instância judicial do País para barrar a oferta de blocos de petróleo em áreas localizadas no entorno do Arquipélago de Fernando de Noronha e da reserva de Atol das Rocas, reconhecidos como patrimônios mundiais da biodiversidade. Os blocos acabaram sendo leiloados, mas nenhuma empresa apresentou propostas para explorá-los.
Por meio de nota, a AGU informou que ajuizou ação para que Pernambuco “cumpra o contrato de cessão de uso” da Ilha de Fernando de Noronha, assinado em 2002. “A União não pede federalização de Fernando de Noronha e nem a administração política do território, mas, sim, que se cumpra o contrato de cessão firmado. Tanto o Ministério Público Federal (MPF) como o Tribunal de Contas da União (TCU) exigiram a manifestação da Secretaria de Patrimônio da União quanto à inadimplência e, mais ainda, a informar se o Estado de Pernambuco teria condições de fazer a gestão daquele território, ou se a União teria de fazê-lo”, declarou.
Segundo a AGU, Pernambuco “vem descumprindo os termos do contrato e evitando a ação de fiscalização dos órgãos ambientais federais” na gestão da área. “Diante da negativa do Estado em cumprir os termos do contrato e da determinação do TCU, não restou outra alternativa à União senão o ajuizamento da ação buscando o cumprimento judicial dos termos do contrato.”