Brian Auger, o pianista que disse ‘não’ a Jimi Hendrix, é celebrado em coletânea
Uma lista com músicos influentes do rock inglês dos anos 60 pode não mencionar o nome de Brian Albert Gordon Auger por pura injustiça. Brian Auger sentou-se em frente a um teclado Hammond, no Reino Unido, quando só os norte-americanos, em linhagem direta de Jimmy Smith, pareciam poder fazer isso. Ele seria só um sideman, desses que a história apaga aos quilos sem reconhecer que, para cada frontman ou frontwoman, ao menos cinco peças dessas entraram em ação. Mas Brian Auger foi mais do que um acompanhante, e uma compilação que reedita suas facetas, lançada pelo selo Soul Bank Music, reavalia sua existência.
Mesmo porque Brian Auger está vivo, saudável, lúcido e sonhador, aos 82 anos. As histórias que o circundam são ótimas, e a melhor delas é esta aqui: ainda quando conduzia com a maravilhosa cantora Julie Driscoll a banda Trinity, uma rebelião sonora de jazz, R&B, folk e rock que explodia, claro, em psicodelia, seu telefone tocou e, do outro lado, estava Chas Chandler (os muito conhecedores de história do rock vão matar o suspense ao ler este nome, mas sigamos). Chas, produtor e baixista dos Animals, disse a Auger que tinha o guitarrista perfeito para sua banda, um rapaz negro que havia acabado de chegar de Nova York. Sim, era Jimi Hendrix, antes que Chas o ajudasse a formar a Jimi Hendrix Experience, com o baixista Noel Redding e o baterista Mitch Mitchell.
Chas perguntou se eles, Auger e Hendrix, podiam se encontrar depois de uma apresentação do Trinity no pomposo club Cromwellian, e Auger respondeu: “Eu só posso decidir depois de conhecer o cara.” Semana passada, em uma entrevista para o The Guardian, Auger se lembrou do dia: “Bem, ele parecia um cara legal, bastante tímido, e se juntou a nós para o nosso segundo set. Como o Cromwellian era um dos poucos lugares onde você podia beber legalmente depois do expediente, estava cheio de músicos. Quando Jimi começou a tocar, rapaz, ele quase incendiou o clube e Eric Clapton ficou incrivelmente pálido!” Ótimo, mas e a resposta? Hendrix estava contratado? “Não”, respondeu Auger. “Eu recusei porque estava feliz com Julie como vocalista e Vic Briggs na guitarra.”
Mas Auger não pode ser reduzido ao “homem que disse não a Hendrix”, e o álbum que sai agora, Auger Incorporated , ajuda a redimi-lo. The Preacher e Poinciana o mostram em sua fase pré rock and roll e Hammond. Ele está ao piano, atacando ligeirezas do suingue e do bebop, sua real origem. Um registro bem precário de I Just Got Come o mostra com Rod Stewart no vocal, dos tempos em que eles formavam a banda Steampacket. São 26 faixas que seguem por encontros com Long John Baldry e Rod em Up Above My Head; a instrumental In & Out, do Trinity, irresistivelmente suingada em seu Hammond e na guitarra de Vic Briggs, que quase foi a de Jimi Hendrix; Total Eclipse, de uma fase seguinte com o grupo de fusion Oblivion Express, mais lisérgica (mesmo sendo Auger um careta assumido); e a viagem de Circles, do mesmo grupo, com a voz de sua filha, Savannah Auger.
A ficha técnica aponta ainda participações de Sonny Boy Williamson, Rod Stewart, Jimmy Page e Billy Cobham. Poderia ter mais. É de Auger o teclado que se ouve em For Your Love, dos Yardbirds, gravada em 1965, e, pelos anos seguintes ao declínio do rock clássico, ele viveria com dignidade. Auger excursionou com Eric Burdon, dos Animals, no início de 1990, e reativou o Oblivion Express em 2005, com a filhona Savannah nos vocais e o filho Karma Auger na bateria.
Dizer não a Hendrix, pensando bem, foi livramento. Hendrix teria engolido Brian Auger, aí sim, definitivamente. E Auger teria sido obrigado a abandonar a delicadeza que usou para criar sua soul music inglesa, sua psicodelia terrena e seu jazz rock envolvente mas jamais explosivo.