Cram registra 82% de aumento nos atendimentos em fevereiro
O Centro de Referência em Atendimento à Mulher (Cram) atende vítimas de violência física, sexual, psicológica e patrimonial em Petrópolis. E neste Dia Internacional da Mulher, um número recente do órgão mostra que não há tanto a comemorar. Em fevereiro, o aumento nos atendimentos foi de 82% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Neste ano, foram 137 atendimentos, enquanto em 2021 foram 75 mulheres atendidas.
Duas mulheres que superaram relacionamentos abusivos conversaram com a Tribuna sobre o assunto e dão uma lição de força para quem está passando pela situação no momento. Ambas preferiram que apenas suas iniciais fossem divulgadas na reportagem, para que suas identidades fossem preservadas.
“Me casei com 23 anos, e menos de dois anos depois, tive meu primeiro filho. Foi tudo muito bom no início, mas depois de algum tempo, ele começou a ter comportamentos agressivos, me proibir de sair, me agredir verbalmente. Começou segurando meu braço, me puxando pela mão com força, até chegar a socos e chutes. Foram pelo menos 14 anos vivendo isso, e nunca mudava”, contou F.A.L., de 43 anos. Ela está divorciada há pouco mais de cinco anos, e lembra da importância de deixar relacionamentos abusivos desde o primeiro sinal.
“Se pudesse aconselhar uma mulher que está passando por isso hoje, diria pra ela fugir. Buscar ajuda o mais rápido possível. Seja de amigos, familiares, colegas de trabalho, órgãos públicos, aproveitar que temos tantos canais de acolhimento hoje. Não espere piorar, é importante perceber os sinais, por menores que sejam, e não apenas quando chega à violência física”, disse.
Vale ressaltar que, além da física, há a violência verbal quando a vítima é alvo de ofensas; sexual, mesmo se tratando do companheiro da vítima; e patrimonial, quando a vítima não tem acesso a seus bens, não pode trabalhar ou têm seus documentos recolhidos.
Já I.B.V tem 28 anos e foi morar com o namorado aos 21, depois de engravidar. No caso dela, os abusos começaram imediatamente.
“Hoje, eu consigo ver episódios em que ele foi agressivo antes mesmo de morarmos juntos, mas eu não percebia. Já fiquei com o braço roxo várias vezes por levar puxões ou coisas do tipo. Mas nada se compara como quando engravidei e fomos morar juntos”, disse.
“Apanhei até a metade do sexto mês de gravidez, quando consegui sair daquela situação. Ele chegava em casa depois de beber e usar drogas e ia pra cima de mim. Já até acordei sendo agredida, e isso afetou muito minha gestação. Em um certo momento, peguei tudo que pude e fui pra casa da minha mãe. Minha filha acabou nascendo prematura e ficou mais de um mês na UTI neonatal, mas ela ficou bem”, contou a jovem.
A culpa nunca é da vítima
A ferramenta de grande parte dos agressores é colocar nas vítimas o papel de culpada, como se a responsabilidade da agressão fosse da mulher. Mas a sociedade também tem um papel importante na desconstrução dessa ideia.
“Ele me fazia acreditar, sim, que era minha culpa, mas não só ele. Nossos amigos, alguns familiares dele, até pessoas que já presenciaram alguma agressão em um espaço público. Toda vez tinha alguém pra me perguntar o que eu tinha feito. Já fui à delegacia denunciar uma agressão, grávida, e fui tão julgada lá dentro que preferi ir embora”, disse I.B.V, lembrando que o número de denúncias ainda não representa a quantidade real de agressões.
“A mulher nunca pode ser culpada pelo descontrole do agressor. Isso deixa a gente ainda mais vulnerável, com medo de denunciar, de falar. Por isso muita gente não denuncia, porque a sociedade faz a mulher acreditar que a culpa sempre é dela, independente da situação. Seja uma agressão verbal, física, sexual. Seja um problema no trabalho, na família, enfim. Se essa mentalidade tóxica e machista não mudar, muitas mulheres vão continuar se calando”, completou.
“Por muito tempo, eu acreditei que a culpa era minha, que eu merecia aquilo. Quando alguém me dizia que eu precisava de ajuda, que tinha que sair daquilo, eu negava. Muito do que aprendemos na nossa vida é que a mulher deve se prestar a determinadas situações apenas por ser mulher. Nos ensinam que é assim mesmo e tudo bem. Mas não, não está tudo bem e não vamos aceitar mais isso. Hoje, me sinto mais mulher. Mais confiante, mais certa do meu valor. Toda mulher tem que saber o quão valiosa ela é”, disse F.A.L.
“Eu olho pra minha filha e tudo que desejo é que ela cresça em uma sociedade melhor, com uma mentalidade que olha para a mulher. Somos tanto e mesmo assim, não somos valorizadas. Tenho muito orgulho de ser mãe, filha, irmã, amiga, profissional. De ser mulher”, concluiu I.B.V.
Aumento nos atendimentos em Petrópolis
Em Petrópolis, mulheres que sofrem algum tipo de violência têm no Cram um espaço de acolhimento. No local, é oferecido atendimento social, psicológico e jurídico, para garantir que as vítimas não voltem à situação de vulnerabilidade. Os números mais recentes, de fevereiro deste ano, mostram que cada vez mais mulheres estão buscando assistência do órgão.
Em fevereiro, foram 137 atendimentos iniciais, 82% mais do que no mesmo mês em 2021, mesmo em meio à tragédia que atingiu a cidade, que fez com que a sede do órgão, no Centro, ficasse fechada por pelo menos uma semana após um deslizamento de terra. O espaço já foi avaliado pela Defesa Civil e reaberto.
Na semana da tragédia, 29 atendimentos foram realizados pelo telefone de emergência do Cram, entre preenchimentos de ficha e atendimentos de urgência. De acordo com o órgão, há mulheres que foram atendidas mais de uma vez durante o período. Também foi realizada orientação nos abrigos sobre como proceder em casos de abrigadas vítimas de violência doméstica.
O Centro de Referência em Atendimento à Mulher fica localizado na Rua Santos Dumont, no prédio anexo ao Centro de Saúde. Os atendimentos podem ser realizados ainda através do telefone (24) 98839-7387, que também funciona como whatsapp.