Choque, anestesia e esperança
“Miss Bumbum usa sutiã de glúteos e choca a internet”, “Artista faz equilibrismo com bebês de colo e choca a internet”, “Menina pilota Boeing e choca a internet”, “Canguru perneta beija turista alemã e choca a internet”, “Ex-gordo volta aos 200 quilos e choca a internet”. “Chocar” é o objetivo tanto das falsas notícias quanto da fofoca espetáculo, com que caçadores de curtidas e compartilhamentos inundam a internet. Mas seja no mercado do besteirol furioso, seja quando ocorre notícia real, ninguém mais quer informar, quer chocar.
Nesse vale-tudo, vale compartilhar pornografia, vídeos insultuosos, nojeiras, bizarrices. Explorar defeitos físicos, alguém que nasceu com uma orelha na testa, por exemplo, para garantir um ibope fugaz. Explora-se o fascínio ancestral do ser humano pelo que o assusta, enoja ou amedronta. O pânico de montanhas-russas colossais, mergulhos no terror de filmes e trens fantasmas arrepiantes, ou mórbidas excursões a Chernobyl.
“Chocar”, verbo, nasce de choque, substantivo para impacto violento, descarga elétrica feroz, incidente de guerra ou abalo emocional e psíquico. Mas “chocar” pode ser também o cuidado da ave pousada com seu calor sobre os ovos que guardam os embriões que serão seus filhotes. E aqueles choques em profusão, geram chocas nefastas. A exaustão do impactante, tornado regra, acaba dessensibilizando a plateia, tornando-a anestesiada, chocando em um povo apático a indiferença, esse ovo perigoso.
É o que acontece nas grandes questões nacionais, que percorremos, e aí sim, não só de choque em choque, mas de terror em terror. Protestos monstros de 2013, lamacenta campanha da Dilma em 2014, subterrâneos podres do impeachment, ascensão de um governo odioso e descarado, vergonhosa subserviência do STF a Renan e Temer, desanimadora ascensão de Bolsonaro, Lula, “alma mais pura do Brasil”, se agarrando aos seus lastimáveis 28% como um náufrago desesperado. O lamentável voto desempate da Ministra Carmem Lúcia, que pôs o STF de joelhos perante o Senado de Renan para livrar a cara do Aécio, foi uma espécie de gota d’água. E chegamos a esse momento em que ansiamos por 2018 como quem espera um fim de agonia. Mas com a escassez de alternativas e lideranças viáveis, sabemos que o horizonte por lá não estará tão mais azul do que aqui. E vamos nos dessensibilizando.
A indignação brasileira, mais do que nunca virou, no dizer do Skank, uma “mosca sem asas”. Indignação miúda, e que não voa. De choque em choque partimos para tropeçar de desilusão em desilusão. Para Habermas isso é um ciclo. Pessoas se rebelam contra a política. Protestam. Os protestos dão em nada. Vem o desapontamento. Então abandonam a política e vão cuidar de suas vidas. É o que ele chama de “rejeição inibida”. Assim estamos. Não adianta os viúvos da Dilma reclamarem de quem “não bate panelas”, quando estes mesmos reclamantes também não externam gestos concretos de indignação real.
O país está letárgico, desesperançado, anestesiado. A gangrena petista se espalhou, a podridão peemedebista fez septicemia. Jazemos doentes e inertes porque não enxergamos saídas. Sei que é difícil, mas quero crer em dias melhores. Acho que só nos resta resistir aos choques, ao terror, e chocar de nossos corações, nesse ninho penoso, o único ovo saudável que resta a brasileiros de profissão: o da esperança contra todas as evidências. Não há outro caminho. É nele que buscarei algum ar.
denilsoncdearaujo.blogspot.com