• A vida do compositor ‘André Filosofia’ bem que daria um samba-enredo

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  • 25/02/2022 08:00
    Por Gilberto Amendola / Estadão

    A vida de André Christian Dalpicolo, de 43 anos, mais conhecido como “André Filosofia”, daria um bom caldo na avenida. Na passarela, veríamos alas e alegorias sobre a paixão pelo futebol, o interesse pela literatura, a carreira de professor universitário e, finalmente, o sucesso alcançado como compositor de sambas-enredo. Para fechar esse desfile, sem estourar o tempo, que tal um carro alegórico cheio de recursos tecnológicos? Uma alegoria que contasse detalhes sobre a parceria do sambista com o ator e comediante Marcelo Adnet – que, por causa da pandemia de covid-19, se deu por meio de WhatsApp.

    Mas, para não atravessar o samba, vamos começar pela comissão de frente. Na infância, Dalpicolo era um prodígio em memorização. Ele era capaz de repetir a escalação de todas as seleções da Copa do Mundo de 1986. “Eu tinha o álbum de figurinhas do Mundial e sabia todos os jogadores de cada seleção. Aos 4 anos, me levaram para um programa de rádio para apresentar esse talento”, contou.

    Poucos anos depois, ele conectaria sua paixão pelo futebol com o mundo do carnaval. Em 1986, ao assistir pela TV ao desfile da Beija-Flor, ficou encantado pelo enredo O Mundo É Uma Bola. Imediatamente, Dalpicolo tornou-se torcedor da escola de Nilópolis, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, escolheu a Leandro de Itaquera para torcer.

    Além do futebol e do carnaval, ele foi contagiado por outra maravilha: a literatura. A mãe, que era professora do ensino básico e poeta, começou a alimentar o filho com (Jean-Paul) Sartre, Balzac, (Marcel) Proust, George Orwell, Shakespeare e outros. “Lembro do impacto que, como adolescente, tive ao ler A Náusea, de Sartre”, disse. “Acho que foi a partir daí que eu me interessei por Filosofia.”

    Apesar do interesse pela Filosofia, ele foi parar na faculdade de Economia. Para ajudar a pagar o curso universitário, trabalhou como office-boy em uma empresa. Foi nesse trabalho que conheceu uma mulher que vendia fantasias para os desfiles das escolas de samba do Rio. “Ela vendia para as alas da Vila Isabel. Comprei e fui para o Rio ter essa experiência. Chegando lá, também consegui desfilar na Beija-Flor”, afirmou.

    A experiência no carnaval carioca marcou a vida de Dalpicolo. A partir dela, ele nunca mais deixou de se envolver com desfiles e escolas de samba. Mas a vida acadêmica também seguia – e, depois de terminar a faculdade de Economia, partiu para um mestrado em Filosofia (não à toa, começou a ser chamado de “André Filosofia”). Ele iniciava também sua carreira como professor de escola estadual e em universidade.

    Em 2006, foi convidado por um amigo para disputar a criação do samba-enredo da Leandro de Itaquera. “Fui chamado porque sempre fui identificado como alguém que tinha muita leitura e podia ajudar no desenvolvimento dos enredos”, contou. Dois anos depois, também disputaria o samba da Unidos de São Lucas, que estava no grupo de acesso.

    Em 2010, emplacou dois sambas no grupo especial de São Paulo: Acadêmicos do Tucuruvi e Águia de Ouro. Carnavalescos também começaram a contratá-lo para desenvolver enredos, sinopses e pesquisas. Ele já defendeu composições na Imperador do Ipiranga, Barroca Zona Sul, Colorado do Brás, Peruche e outras. Paralelamente, expandiu sua influência como compositor disputando sambas em Porto Alegre, Florianópolis e em outras partes do Brasil.

    Hoje, Dalpicolo, vulgo André Filosofia, divide sua vida como homem do samba e professor universitário. No Centro Universitário Paulistano (Unipaulistana), leciona Recursos Humanos, Pedagogia e Administração. “Os alunos apoiam e gostam deste meu lado. Já levei alguns para desfilar comigo no carnaval”, observou.

    SAMBA-ENREDO

    Para o carnaval deste ano, ele é um dos compositores do samba-enredo da Leandro de Itaquera: No Ecoar dos Tambores e no Feitiço da Leandro – De Dahomé às Terras da Encantaria – O Cortejo da Rainha Jeje e os Segredos de Xelegbtá. Um de seus parceiros no samba é o ator e comediante (e figura atuante no carnaval carioca) Marcelo Adnet, convidado pela escola a ajudar na composição do samba.

    Adnet, aliás, conta como foi a sensação de compor a distância em meio à pandemia da covid-19. “Foi uma experiência única. A pandemia acabou nos forçando a adotar soluções criativas. Então, pessoas que estavam longe, que não comporiam juntas, puderam fazer isso pelo WhatsApp. Foi um privilégio estar com o André nesta composição”, garantiu. “A partir de agora, a gente deve incorporar esse hábito de compor a distância. Mesmo não sendo ideal, isso encurta as fronteiras e faz com que pessoas tão talentosas possam estar juntas.”

    Dalpicolo lembrou que, antes da pandemia, os compositores se juntavam na casa de alguém e passavam madrugadas trocando ideias sobre letra e melodias. “Agora, isso também aconteceu. Só que por Google Meet e grupos de WhatsApp.” Além da parceria com Adnet, o samba da Leandro de Itaquera também é de autoria de André Ricardo, Beto Colorado, Douglas Chocolate, Juninho Branco, Jacopetti, Luiz Pião, Medonha e Nando do Cavaco.

    “Sempre há muita gente na composição de um samba-enredo porque entra quem colabora com letra, melodia, sinopse, pesquisa e quem ajuda a apresentar o samba na comunidade. Às vezes, é muita gente porque são dois sambas, duas composições juntas, formando um enredo”, explicou ainda Dalpicolo.

    Agora, Dalpicolo, o André Filosofia, só quer ver o carnaval brilhar na avenida outra vez. Como professor e homem do samba, gostaria que os nossos sambas-enredo fossem encarados como o que realmente eles são: “Algo relevante para a nossa cultura e para a construção do conhecimento da nossa própria história”.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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