“Já não tenho esperança de que estejam vivos, só quero dar a eles um sepultamento digno”, diz vítima de deslizamento na Vila Militar
Por toda a cidade há pontos onde as barreiras varreram casas e devastaram vidas. Certamente, o Alto da Serra foi o mais castigado pelas chuvas, mas em outros bairros também há moradores que vivem dramas cruéis. Na rua Itália, na Vila Militar, três barreiras soterraram casas e provocaram a evacuação de quase cem famílias. Pessoas que foram orientadas pelo Corpo de Bombeiros a sair às pressas, sob o risco de novos deslizamentos de terra. Há, no entanto, duas pessoas soterradas no local e uma família que ainda busca ajuda para desenterrar os corpos.
Na noite da terça-feira (15), a Vivian Henrique de Souza, de férias do trabalho, estava em casa com o marido e a filha, de 8 anos, quando ouviu a primeira barreira cair. “Ela atingiu a parte da cozinha, onde eu estava. Tremeu tudo. Acordei meu marido, que ia trabalhar naquele dia a noite. Ele correu para ajudar o vizinho, que teve a casa destruída e estava soterrado”, conta.
Às pressas, a família tentava tirar todo mundo da casa de três andares. Além da Vivian, do marido e da filha, havia pelo menos cinco famílias no local. Foi neste momento de desespero e tentativa de salvar todos que estavam no imóvel, que aconteceu o segundo deslizamento de terra e um terceiro em um ponto mais acima. “Ela atingiu por completo a casa do meu irmão. Tinha duas crianças na casa de cima (a mãe estava trabalhando). Elas tinham acabado de chegar da escola. Com o impacto da segunda barreira, que terminou de derrubar a casa, elas foram arremessadas para a casa de baixo. A menina estava no Hospital Santa Teresa (HST), na UTI, mas já está se recuperando. O irmão machucou o braço”, lembra Vivian, que relata ainda que um idoso foi ferido por um vergalhão e um homem teve as pernas bastante machucadas pelos destroços.
Quase todos conseguiram deixar as casas, mas Paulo Henrique de Souza, de 42 anos, e Guilherme Henrique Castro de Souza, 15, pai e filho, irmão e sobrinho de Vivian, não conseguiram escapar. “Na hora a gente saiu correndo. A primeira ajuda que recebemos foi de um grupo de soldados, que foram abordados na rua para ajudar. Eles ainda tentaram, mas era noite e eles acabaram indo embora. Dormimos no carro. Pela manhã, não apareceu ninguém, ficamos ligando para poder vir. Depois vieram os bombeiros, mas disseram que não podia chegar, mexer, que a gente não podia estar no local. Ainda na quarta-feira, pelo acesso do Valparaíso, um grupo de motoqueiros conseguiu levar os bombeiros no ponto da barreira, onde ficavam as casas. Ficaram duas equipes trabalhando durante o dia, junto com os moradores. Fui em casa e consegui pegar roupa e documentos”, relata.
Depois de perder tudo, a família ainda permanece no local. Segundo Vivian, em 1988, o morro havia sido condenado, o que não impediu as pessoas de residirem no local. “Eu moro ali há 14 anos com meu esposo. A família vive ali há 35 anos. Não queremos voltar para lá. Mas, o que é possível alugar com o valor do aluguel social (R$ 500)? Um quitinete no alto do morro. Hoje, só estou aqui para que possamos retirar o corpo do meu irmão e meu sobrinho. Já não tenho esperança de que estejam vivos, só quero dar a eles um sepultamento digno”, diz.