• Pés de galinha

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  • 20/08/2017 08:00

    “Beleza não põe mesa”. Na época em que se criou esse provérbio, talvez a carreira de modelo não tivesse o status que tem hoje, nem o botox era tão usado, nem as cirurgias plásticas eram tão requisitadas. Que “as aparências enganam”, não resta dúvida. Porém, a preocupação com a estética cresceu tanto que o surgimento das rugas no canto dos olhos, os famosos pés de galinha, é motivo de crise existencial. O tempo é implacável, não hesita em ser o espelho da perecividade humana.

    Conheço uma senhora que, inglória, luta contra essa força que move o passar das horas. Não é a idade que a incomoda, pois a sua aparência jovial esconde a quantidade de anos já vividos. O problema está na flacidez, na perda da flexibilidade. Apesar de todo cuidado, desestabiliza-se emocionalmente ao sentir a beleza física ameaçada. 

    Torna-se doloroso o conflito com o tempo, quando não se aceita o que ele impõe ao corpo. A resignação ajuda, é preciso entender o ciclo da vida.  É claro que não se deve relaxar com a saúde. A longevidade depende do cuidado diário. Porém, isso não pode virar obsessão. O envelhecimento é inevitável, a Ciência ainda não venceu a morte. E, pelo meu parco conhecimento, acredito que não seja esse o propósito dela. Contudo, há os que agem como se estivessem livres do destino dos funerais.

    A senhora a que me referi passou a sentir fortes dores na coluna. Por causa desse incomodo, procurou um ortopedista, que lhe pediu vários exames. Após analisá-los, constatou que as vértebras da coluna dela estão muito próximas e já pressionam os nervos. 

    Além dos remédios receitados para aliviar as dores e evitar o aparecimento da osteoporose, ele a orientou a comer pés de galinha. Explicou os benefícios do colágeno que se encontra neles. Foi bem convincente, tocou em pontos estratégicos: trata-se de uma proteína que auxilia na regeneração e cicatrização dos tecidos celulares, por isso evita a flacidez da pele e dos músculos, além de fortalecer as unhas e ajudar no crescimento dos cabelos. Contudo o benefício maior está no fortalecimento das cartilagens. 

    O médico não se espantou com a observação que ela fez, mas não perdeu a chance de tecer uma ironia: 

    -Doutor, nunca vi pé de galinha servido em restaurante!

    -Mas deveria! É um prato saudável! Pode ser feito em casa. Fale com a sua empregada, com certeza, ela sabe fazer… 

    Após esse encontro com o ortopedista, ela voltou para casa. Chegou no horário em que a sua empregada encerrava o expediente:

    -Luzia! Você nem imagina o que o médico me mandou comer!

    -O quê? Que deixou a senhora assim tão assustada!

    -Pé de galinha! Nunca comi isso!

    -É gostoso! Bem temperado, com um pirãozinho de parida, é uma delícia!

    -Vou ter que comer isso…

    -Eu faço pra senhora! É só me dá o dinheiro, que eu compro os pés fresquinhos no açougue que fica lá perto de casa… 

    A senhora deu o dinheiro. No dia seguinte, Luzia comprou um quilo de pés de galinha caipira e preparou-os para o almoço. Mas a patroa não conseguiu comer. A senhora se trancou no quarto, como sempre faz quando está deprimida. 

    No fim da tarde, a Luzia preparou um lanche para ela. Como estava com fome, por não ter almoçado, lanchou com vontade: 

    -Esse patê tá tão gostoso, é de quê?

     -De galinha? Eu que fiz… 

    -Com quê?

    -Com os pés de galinha que a senhora não comeu.

    Depois do lanche, a patroa ficou mais animada. Saiu para encontrar as amigas na academia. Na conversa entre elas, soltou esta:

    -Hoje comecei uma dieta à base de colágeno, com a minha personal cheff, a Luzia.


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