• O martírio do desemprego

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  • 19/08/2017 12:00

    A palavra trabalho vem de “tripalium”, instrumento de tortura utilizado na Roma Antiga. Na Bíblia, o trabalho nasce como maldição decorrente do pecado original. Em tempos remotos, o trabalho era signo de exclusão. Ocupação de escravos, servos e marginalizados da cidadania. Já o pré-capitalismo vai dar dignidade ao trabalho, com as corporações de ofício. E a Revolução Industrial vai mudar definitivamente seu status. Ele passa a necessidade social e surge uma ética, ainda que voltada prioritariamente aos pobres: é preciso trabalhar para ser alguém. A evolução fez do trabalho fonte de dignidade, bem-estar, saúde e autoestima.

     Num texto, Victor Hugo, após descrever a repressão à vadiagem, no pós-Revolução Francesa, diz que se ao trabalho se concedia status de dever, imperativo era dar-lhe convicção de direito. Assim consta na Declaração dos Direitos Humanos, na Constituição Federal, e bem se expressa na Resolução 34/46 da ONU: “a fim de garantir cabalmente os direitos humanos e a plena dignidade pessoal, é necessário garantir o direito ao trabalho”.

     O desemprego atual é subproduto da crise estrutural que o país enfrenta, vomitada por irresponsabilidades dos governos de Lula e Dilma. E que a cada vez maior carência de legitimidade de Temer não consegue arrefecer. Mas afirmar paternidades para a crise não reduz seu drama real. Conforme o IBGE, 14 milhões de pessoas (cerca de 13% da população economicamente ativa) estão sendo afrontadas em seu direito humano fundamental ao trabalho.

     Gonzaguinha escreveu e a rascante voz de Fagner consagrou que “Um homem se humilha se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho. E sem o seu trabalho um homem não tem honra. E sem a sua honra se morre, se mata. Não dá pra ser feliz”. O que o poeta viu, a medicina confirma. O desempregado pode se tornar deprimido e estressado. Sobe-lhe a pressão, a cabeça dói, passa a ter problemas gastrointestinais. A autoestima vai ao chão. Sobe o desespero. 

     Grossas ondas de suicídios pontuam grandes crises de desemprego. No crack de 1929, pessoas se jogaram dos arranha-céus de Nova Iorque. No fechamento dos cassinos no Brasil: levas de suicídios. No Banco do Brasil decadente dos anos 1990, os ataques neoliberais queriam o fim de seu papel social e: demissões. Num segmento funcional habituado à estabilidade e vitaliciedade, fez-se o trauma. Estava eu em Brasília, ingloriamente tentando empurrar à Direção do Banco uma proposta de Código de Ética, quando começaram a chegar as notícias de gerentes e funcionários antigos se enforcando nos banheiros das agências. Ano passado, em São Paulo, um motoboy desempregado e desesperado atirou-se do alto de um prédio simbólico. O Fórum Trabalhista Rui Barbosa, em São Paulo que, com seus 70 metros de vão-livre, tem sido palco de um suicídio a cada seis meses. Onde grassa um tal desespero, a sociedade é erodida em suas bases e o crime se farta. Não esqueçamos que o desemprego foi pano de fundo do ovo da serpente que deu o nazismo, e da recente ascensão dos supremacistas brancos nos Estados Unidos.

     Quero dar esperanças ao desempregado. Dizer que as coisas vão melhorar. Apontar alternativas, como as mudanças de posição no mercado de trabalho ou o empreendedorismo que, é fato, acha oportunidades na crise. Quero orar pelos desempregados. Mas quero dizer: precisamos sair desse fundo de poço cruel. Pois o desempregado precisa mesmo é de emprego.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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