• Questão de Gênero: Você está escutando as vozes na sua cabeça?

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  • 12/12/2021 09:53
    Por Luana Motta

    Há alguns meses fui na comemoração de um aniversário na casa de uma amiga. Éramos dez mulheres. Durante a conversa, descobri que cinco delas, incluindo eu, estamos passando por algum tipo de tratamento para a saúde mental, seja por meio de medicamentos e/ou terapia. Basta olhar à nossa volta para perceber que a maioria de nós, especialmente mulheres, estamos passando ou nos recuperando de algum tipo de transtorno: depressão, ansiedade, burnout ou crises de pânico.  

    Parece que a pandemia pesou muito mais para nós, pelo aumento na jornada, que já é dupla para a maioria – que tenta conciliar trabalho, filhos e tarefas domésticas – ou ainda, pelo aumento da solidão. Esses dois anos de pandemia criaram uma correnteza que nos levou tão rápido quanto pudemos perceber e, no meu caso, seguindo o fluxo, demorei a me dar conta de que precisava de ajuda. Na primeira sessão com a psicóloga, já em março desse ano, descobri que toda aquela falta de foco e vozes na minha cabeça era ansiedade somada a um quadro depressivo. E, recentemente, iniciei o tratamento medicamentoso. 

    Conversando com amigas e mulheres próximas que passam pela mesma situação, percebo que a dificuldade em buscar ajuda cruza com medo de admitir que não está dando conta de tudo. Mas sejamos sinceras, quem dá conta de tudo? Quem está 100% bem depois de dois anos de pandemia de covid-19? A nossa mente é a maestrina do corpo. Ela que dirige a orquestra que nos mantém vivas. E você já ouviu uma orquestra desafinada? É assim que nosso corpo funciona quando estamos com o raciocínio comprometido por causa de algum transtorno mental. A mente afeta a saúde de todo o corpo. 

    Carla Gebara, que é professora da graduação e do mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis, aponta que diversos estudos têm mostrado que nós mulheres, somos mais vulneráveis e apresentamos maiores índices de transtorno mental, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, além de estarmos mais suscetíveis a episódios de violência doméstica. 

    “Esse maior sofrimento psíquico pode estar relacionado ao fato de as mulheres estarem expostas a uma série de condições sociais que contribuem para o surgimento dos sintomas e foram potencializadas pela pandemia. Além dos aspectos relacionados às atribuições culturais e desigualdades de gênero, as mulheres ainda vivenciam estressores relacionados ao seu ciclo de vida (como pré concepção, gravidez, pós-parto e aleitamento), que também podem ser afetados pelo isolamento social e quarentena, contribuindo para essa sobrecarga mental”.

    Historicamente foi designado a nós a tarefa de ser a cola que sela a família. Somos responsáveis primeiramente pela educação dos filhos, o cuidado com os familiares idosos, e a organização do lar. Só que historicamente parece que esqueceram de designar um tempo nessa agenda multitarefa para cuidarmos de nós mesmas. A desigualdade de gênero nos empurra para uma posição de superpoderes, que não temos. Não precisamos dar conta de tudo, por mais importante que pareça ser. 

    Passei a maior parte desses dois anos sozinha, em home office. Diferente das mulheres que, diariamente, têm que enfrentar o medo de se expor ao vírus e voltar para casa ao fim do expediente, tenho o privilégio de ainda poder trabalhar de casa. Carla trouxe uma pesquisa que aponta que além do perfil da mulher multitarefa, no contexto brasileiro, o isolamento impactou também a saúde mental de mulheres que moram sozinhas. 

    “Para além do perfil de mulher multitarefa, uma pesquisa realizada no contexto brasileiro (Serafim et al., 2021) indicou que o sofrimento psíquico também atinge as mulheres que não tem filhos e moram sozinhas, tendo em vista que mulheres nessas condições apresentaram níveis mais altos de estresse, depressão e ansiedade. Segundo os autores, uma possível hipótese explicativa é de que a pandemia tenha tornado esse grupo mais suscetível a um estado de incertezas e falta de perspectivas em relação ao futuro, o que teria contribuído para mais sensações de desamparo, angústia, desconforto e ansiedade”, disse.

    Percebo que além da dificuldade de pedir ajuda psicológica, a ajuda psiquiátrica também é vista com preconceito. Parece mais fácil chegar ao ginecologista, fazer um exame físico e receber o diagnóstico daquela incomodo que você carrega diariamente, e tratá-lo com medicamento. Mas por que ainda é tão difícil aceitar que às vezes temos que tratar sintomas de transtornos mentais também com medicamentos. 

    “Você vai ficar tão bem com o medicamento, que não vai se lembrar dos sintomas que tinha antes dele”, foi assim que minha psicóloga me explicou que não precisava ter medo de ficar dependente de medicamentos ou achar que estava perdendo minha autonomia sob o efeito deles. Nós somos únicas e precisamos preservar isso, cuidar melhor de nós. Além da terapia e do medicamento, converso com amigas e minha família sobre o que estou passando. Estabelecer uma rede de apoio é fundamental nesse processo. 

    “Conhecer os grupos mais vulneráveis bem como as consequências psicológicas desencadeadas pelas situações de estresse é essencial para desenvolver estratégias de prevenção e tratamento. Sem dúvida, as redes de apoio social e também os serviços e profissionais de saúde mental podem contribuir imensamente nesse processo de enfrentamento (durante e após a pandemia)”, complementa Carla.

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