• ‘As maiores novidades’, de Marcelo Ferroni, critica o mundo mecanizado

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  • 12/12/2021 08:00
    Por André Cáceres / Estadão

    Em uma palestra proferida em 1978 em Buenos Aires, Jorge Luis Borges afirmou que a questão do tempo “nos afeta mais do que os outros problemas metafísicos, porque os outros são abstratos, enquanto o tempo é um problema nosso”. Para Borges, não há “nenhum risco” de que esse problema se resolva, e talvez seja por isso que viagens no tempo sejam um tropo tão recorrente na literatura e no cinema. As Maiores Novidades, novo romance de Marcelo Ferroni publicado pela editora Mapa.lab, parece concordar com o argentino, pois retoma esse tema não para tentar solucioná-lo e sim para fazer, a partir dele, uma crítica sobre como o mundo corporativo dominou nosso tempo e o transformou em uma mercadoria.

    INVENTOR. Narrativas assim costumam tratar de geringonças concebidas por um inventor solitário ou de algum método mágico além da compreensão da ciência. Em As Maiores Novidades, é uma fabricante de celulares que cria esse mecanismo por acidente. A trama tem início quando uma equipe de técnicos da multinacional Challenger detecta um defeito na câmera de seu novo produto. O aparelho parece fotografar não o presente, mas alguns segundos no passado. Em vez de curiosidade genuína a respeito das implicações filosóficas de algo assim, o que os executivos demonstram é preocupação porque, ao capturar imagens do passado, o smartphone sobreaquece. Quando os funcionários percebem que a distorção temporal pode ser usada para se comunicar com o passado, novamente a empresa não pensa em como isso altera nossa compreensão do universo, mas sim em como alterar a campanha de marketing para tornar o novo recurso mais atrativo e em como tornar a máquina do tempo lucrativa.

    PRISIONEIROS. A crítica central parece ser a incapacidade que o mundo corporativo tem de se sensibilizar para qualquer aspecto para além do puramente monetário. “Somos massacrados por essa realidade de rolo compressor, não há como reagir”, afirma Ferroni em entrevista ao Aliás. “Ficamos muito presos a situações do presente, muito imediatas, temos que resolver essas coisas que vão aparecendo sem levantar a cabeça para ver o que acontece. Sinto que as empresas são cada vez mais assim, é uma coisa geral.”

    Embora não de modo tão explícito, o tema da corporação percorre a obra de Ferroni desde seu primeiro romance, Método Prático da Guerrilha, em que ficcionaliza um episódio da vida de Che Guevara. “Eu pensava nele como um chefe de departamento autoritário, com os caras embaixo batendo cabeça”, conta o autor. Em Das Paredes, Meu Amor, os Escravos nos Contemplam, uma obra de suspense com um tradicional crime de quarto fechado, a família protagonista é dona de uma grande empresa. E, como o próprio Ferroni, é em uma editora importante que trabalha Heloísa, protagonista de O Fogo na Floresta, seu mais recente romance.

    “Estou numa espécie de ambiente corporativo há mais de 20 anos”, diz o autor, que também é editor no grupo Companhia das Letras, e para quem a hierarquia rígida e a competição entre colegas “diz muito sobre nossa realidade”. Por isso, ele tem voltado sua atenção com mais afinco para o tema, pesquisando e se debruçando sobre a realidade empresarial. “Há muitas mazelas, desigualdade, questão racial, meio ambiente, mas a questão do trabalho é definidora da nossa época.”

    Desde as fábulas cautelares como A Máquina do Tempo, de H.G. Wells, produzidas no século 19, é comum que tramas sobre viagens no tempo, em que alterar o passado, presente ou futuro é uma questão, comentem a noção do livre-arbítrio. “As pessoas têm livre-arbítrio [NO ROMANCE]e usam da pior forma possível pelo individualismo”, afirma o autor. “Os personagens são guiados por interesses particulares, basicamente ter mais poder na empresa, mas isso cria situações caóticas. Você destrói sua realidade ao tentar voltar no passado e alterar as coisas.” Notável que, em As Maiores Novidades, os personagens com os cargos mais altos sejam os mais incompetentes, enquanto os técnicos que colocam a mão na massa são os únicos que de fato compreendem as situações. “Não há meritocracia. Há pessoas que navegam bem nesse mundo corporativo, o que significa ser capaz de fazer e desfazer alianças, ser político, lidar bem com os superiores e não deixar nada de ruim colar em você”, acredita Marcelo Ferroni. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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