• Rédeas curtas lá, bridão solto aqui

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  • 11/12/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Alan Ryan, autor do excelente “On Politics: A History of Political Thought: From Herodotus to the Present” (“Da Política: Uma história do Pensamento Político: De Heródoto aos Dias Atuais”, em tradução livre) nos fala de uma sábia característica política dos britânicos: a profunda desconfiança que o inglês em geral tem do poder e dos políticos. Pode nos soar estranha esta afirmação já que a confiança é a pedra angular dos países bem resolvidos em termos político-institucionais. E este é o caso inglês, a ponto de “os (diplomatas) americanos confidenciarem aos amigos britânicos que dariam seu braço direito para ter um sistema de governo igual ao deles”, nas palavras do jornalista e escritor Frederik Forsyth, em seu livro “O Negociador”.

    Como, então, conciliar essas duas posições aparentemente conflitantes? É fato que o Primeiro-Ministro inglês comparece toda semana ao Parlamento para prestar contas de seus atos de governo. E ainda tem uma audiência particular às sextas-feiras com a rainha (ou rei) a quem ele não pode negar nenhuma informação solicitada. Mentir para o Chefe de Estado, o(a) monarca, está fora de cogitação. Esta mecânica política é uma sábia resposta prática à conhecida máxima de Lord Acton: “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.     

    A sagacidade inglesa não acredita na história da carochinha de que o partido A (de direita), ou B (de esquerda), ou algum político seja o salvador da pátria. (Nós também não, até 1889, com o poder moderador). Os ingleses têm a convicção de que a natureza intrínseca do poder é corrupta. Para tanto, é preciso vigiá-lo, semanalmente, para evitar desvios de conduta. E têm sempre à mão o voto de desconfiança. A quebra de confiança pode ser fatal para um gabinete sem ter que comprovar nada em justiça. Em 1961, o caso Profumo, ministro da Defesa inglês, com Christine Killer, que também era amante do adido militar russo em Londres, foi o bastante para levar o Primeiro-Ministro, Harold Macmillan, à demissão, ainda que nada houvesse sido provado contra ele em termos de acobertar o comportamento do ministro.

    É digno de nota que Mikhail Bakunin, revolucionário russo anarquista, se irmanasse a Lord Acton em sua visão realista do poder. Bakunin discordava de Marx por ver em suas concepções a semente do “socialismo totalitário” com a ditadura do proletariado, queridinha de Marx. O poder, para Bakunin, é sempre exercido por minoria. E que, após a revolução, os antigos operários que agora a integram, “pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões em governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”.

    A tradição política inglesa teve o bom senso de colocar rédeas curtas no poder e nos políticos, exigindo-lhes prestação de contas semanais e transparência no uso do dinheiro público em que a liberdade de imprensa desempenhou papel crucial para evitar a roubalheira. Na ex-URSS, nada disso foi possível. O órgão oficial de imprensa do Partido Comunista Russo – Pravda – era a palavra russa para verdade. Foi uma longa noite de 70 anos em que nunca se mentiu tanto em nome da “verdade” do grupelho no poder. Aquela lenga-lenga de Gramsci de que a verdade é apenas a da classe dominante.

    Essa postura inglesa de dois pés atrás em relação ao poder, que foi pioneira na Europa e no mundo, permitiu que a Inglaterra resolvesse essa questão crítica para a democracia de modo eficaz. Qualquer dúvida sobre a primazia inglesa pode ser dirimida por Voltaire, filósofo francês, em suas “Cartas Inglesas” (1734!). Ele elogia a liberdade reinante na Inglaterra e critica duramente a sociedade francesa por sua intolerância, despotismo, privilégios e preconceitos.   O período que viveu na Inglaterra, fugido de perseguição na França, lhe dá a devida autoridade para emitir tal juízo de valor.  

    Ilustremos, agora, com o caso Profumo versus Lula. O que importa aqui é verificar as consequências concretas e punições havidas num e noutro caso. O primeiro foi um tórrido caso de amor entre o ministro da Guerra inglês e sua amante sem reais consequências para a segurança do País. Não obstante, Profumo e Macmillan sumiram da cena política para sempre por simples quebra de confiança. Foi a morte política de ambos.   

    Já o caso de Lula, responsável em última instância pelo assalto bilionário aos cofres da Petrobrás, e a evidente quebra de confiança pública em sua pessoa, Lula foi tratado pelo STF em ritmo do samba do crioulo doido. O ministro Fachin se deu conta, em notória pirueta mental, que os processos que não envolviam a Petrobrás deveriam ter ido para a justiça de Brasília. E deveriam recomeçar do zero.

    E a sentença condenatória de Lula em segunda instância por um colegiado de juízes, por unanimidade, foi desconsiderada, ainda que não anulada, por lhe faltar o transitado em juízo redivivo pelo próprio STF. Nesse meio tempo, a procuradora da república, Márcia Brandão Zollinger, refez os cálculos e chegou à brilhante conclusão de que houve prescrição. E Lula acabou conseguindo reaver seus direitos políticos para se candidatar à presidência de república. (Não foi para ser síndico do prédio onde mora!). A roubalheira na Petrobrás foi esquecida por lhe faltar o julgamento final. Entendeu, caro(a) leitor(a)? Nem eu!

    Tudo não teria passado de uma perseguição do ex-juiz Sergio Moro a Lula que precisa ser devidamente apurada em função de sua suspeição. As grandes lideranças partidárias do país recepcionaram Lula com pompa e circunstância. Afinal, a certeza de que a impunidade está de volta foi recebida com imensa euforia pelos políticos com rabo preso. Enquanto isto a pesquisa do Datafolha, de 25/09/2021, nos revela que a confiança da população nos poderes e nas instituições cai – e muito –, mergulhando em direção ao tornozelo.

    A população tem, de fato, sólidas razões para fazer uma avaliação tão chinfrim do andar de cima. Mais cedo do que tarde, a reação virá. E o bridão não terá como continuar frouxo. Mãos à obra!

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