• ‘Vamos atravessar o ano eleitoral sem uma âncora fiscal’

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  • 14/11/2021 17:00
    Por Filipe Serrano / Estadão

    A divulgação de resultados fracos no comércio, no setor de serviços e na indústria nas últimas semanas levou o Credit Suisse, um dos principais bancos de investimento do mundo, a revisar a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 0,6% para -0,5% em 2022.

    Responsável pelos cálculos, a economista-chefe do banco no País, Solange Srour, afirma em entrevista que a inflação alta e a perspectiva de aumento dos juros são alguns dos fatores que levaram à nova estimativa, porque impedem uma atividade econômica mais forte no ano que vem.

    Além disso, a manobra do teto de gastos removeu uma importante proteção contra as incertezas no cenário político, justamente no momento em que a proximidade das eleições presidenciais eleva o temor de um descontrole das contas públicas no próximo governo. “Não coloco na conta uma piora da incerteza que a gente já tem hoje sobre a eleição”, afirma a economista na entrevista a seguir.

    O que levou à revisão do PIB para 2022, com a estimativa de queda de -0,5%?

    São vários fatores. Primeiro, este final de 2021 está se mostrando mais fraco do que a gente imaginava, principalmente o terceiro trimestre. Além disso, as condições financeiras estão mais apertadas. A incerteza fiscal em relação ao teto de gasto, ao auxílio, levou ao aumento da curva de juros. E a curva de juros, é claro, afeta muito o PIB, os investimentos e a confiança. A gente já vê um terceiro e um quarto trimestre fracos por conta desse aumento de juros longo, e não só da Selic (taxa básica de juros). Somado a isso, a inflação está prejudicando o consumo, levando à perda de poder aquisitivo. Os dados de varejo que foram divulgados nesta semana foram bastante ruins. Eles já refletem essa perda do poder de compra. Temos hoje juros mais altos, inflação mais alta, e muita incerteza também sobre o ano que vem.

    Esse quadro pode piorar em 2022?

    Para 2022, a gente antevê que os juros vão ficar altos. A gente tem uma Selic chegando a 11,5% (no final do ciclo de alta). E a taxa de juros longa vai ficar muito pressionada. Por quê? Porque a gente vai atravessar o ano todo sem ter uma âncora fiscal, dado que o governo mudou o teto de gastos. A PEC dos precatórios, que está sendo, entre aspas, comemorada como uma solução menos pior, é muito negativa. Não teremos uma âncora para atravessar o ano eleitoral. E mostrou que o Brasil pode alterar a Constituição por uma conveniência e uma vontade de aumentar o gasto acima do que o teto permite. E a inflação, que é o problema de 2021, vai permanecer alta. Por isso, a gente diminuiu a projeção de PIB, prevendo uma recessão.

    Qual é a previsão do PIB para os próximos trimestres?

    Estamos prevendo uma queda no terceiro trimestre, de -0,3%. No quarto, vemos uma alta de 0,1%, que é praticamente uma estabilidade. Agora, no primeiro e no segundo trimestre do ano que vem, a gente prevê uma recessão também. Vão ser dois trimestres negativos, em torno de -0,4%. E no final de 2022, para os dois últimos trimestres, a gente prevê perto de 0%.

    Por que a queda pode ser maior no primeiro semestre do ano que vem?

    O começo do ano que vem vai ser o pior momento, porque é quando o impacto dessa alta de juros de longo prazo dos últimos meses deve ser mais forte. Se as contas financeiras não piorarem, o final do ano será um pouco melhor. Isso vai depender do debate eleitoral, com certeza. O segundo semestre pode ser pior – ou melhor. Tudo depende da campanha e do debate sobre o que será feito com a economia.

    A previsão de recessão em 2022 já leva em conta a incerteza sobre o debate eleitoral?

    Não estou colocando na conta uma piora na incerteza que a gente já tem hoje sobre a eleição. Acho que vai ter incerteza, mas isso está no preço. Está nos juros hoje e no câmbio. O que pode piorar é se ficar mais claro que a âncora fiscal não vai voltar, que não vamos conseguir aprovar uma reforma administrativa. Isso vai depender do presidente que for eleito — e do Congresso que for eleito. É preciso ter um consenso maior na sociedade de que a gente vai precisar continuar a fazer o ajuste. Não parou na (reforma da) Previdência.

    Por que a recuperação neste fim de ano está sendo mais fraca do que se esperava?

    É a questão da inflação, que diminui o poder de compra, o poder aquisitivo. Isso afeta muito o consumo. O resultado fraco das vendas de varejo foi exatamente isso. Na indústria, a gente está vendo números piores também. Mas, nesse caso, tem um mix de problemas na cadeia de produção, que afeta muito os bens duráveis. E juros altos. É claro que juros altos afetam a confiança do empresário. Quando o empresário vai recompor estoques, aumentar a produção, pensa duas vezes. Se está vendo que o juro está alto, o consumo lá na frente vai cair mais. E toda a incerteza sobre fiscal e eleição afeta o consumo e o investimento também.

    Por falar em inflação, vocês ressaltam no relatório o efeito da indexação para uma alta de preços. Qual é o peso dessa inflação inercial?

    Para o ano que vem, a nossa projeção é de uma inflação de 6% (medida pelo IPCA). Quase a metade dessa inflação é devida à inércia, que se expressa em reajustes das escolas, dentistas, médicos, e até mesmo de preços administrados. Porque tem muito preço administrado que é relacionado ao IGP-M e ao IPCA. Por isso, é muito difícil a inflação do ano que vem cair fortemente. É claro que a recessão ajuda. Quanto menor for o ritmo de atividade, mais a dificuldade de repassar a inflação. Mas, mesmo com essa recessão, a gente acha que o efeito da inércia vai se manter.

    Com a atividade econômica mais fraca e a inflação alta, como o Banco Central deve reagir?

    É um dilema. É muito complicado lidar com a inflação alta quando a atividade está mais fraca. Mas a meta do Banco Central é trazer a inflação para perto da meta. E no longo prazo a meta é perto de 3%. Mesmo que a gente tenha essa recessão, a gente está muito longe da meta. Infelizmente, o Banco Central vai ter que subir os juros, senão ele perde credibilidade. É uma situação complicada, mas não tem outra solução. Na verdade, o trabalho do Banco Central precisaria ser ajudado pelo fiscal, mas pelo visto não vai ser.

    Por que não?

    Ninguém espera no Brasil uma reforma administrativa até final de 2022, por exemplo. Ninguém espera que o teto volte para a indexação original, o que seria muito relevante. A mudança na indexação do teto de gastos é um marco. É um marco do fim da âncora fiscal, do enfraquecimento. Apesar de a gente ter um teto ainda, é um novo teto. Um teto modificado. Apesar de parecer que o mercado agora está um pouco melhor, porque a alternativa à PEC poderia ser pior, não deixa de haver um custo e o custo é: atividade mais fraca e inflação mais alta.

    O cenário de inflação acima do teto da meta do Banco Central em 2022, que é de 5%, já está consolidado?

    A gente já estava prevendo uma inflação bem acima do teto já faz um tempo. Antes de revisar para 6%, estava com (previsão de) 5,8%, 5,2%. O Focus está perto de 4,6%. Acho que é questão de semanas para ir para cima de 5%, principalmente se a inflação corrente continuar surpreendendo como aconteceu nos últimos dois meses. Daqui a pouco o Banco Central vai ter de abandonar o discurso de (buscar a meta em) 2022. Vai para o discurso de 2023, dizendo que vai fazer o que for necessário para trazer a inflação de 2023 para a meta. E que vai minimizar o desvio de 2022 em relação à meta. A meta mesmo não é mais crível hoje para 2022. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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