• Meu primo Clyde

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  • 19/07/2017 12:20

    De médico e louco, todo mundo tem um pouco. Filho do irmão de meu avô paterno, e consequentemente primo de meu pai, Clyde foi um personagem real, inspirado em ficção. Nasceu uma criança bonita, sadia, de olhos claros. Seu desequilíbrio mental foi explicado em mais de uma versão, porém, creio que tal problema surgiu diante de uma imagem trágica ao assistir a morte de seu irmão caçula, queimado, ao cair dentro da caldeira que produzia mel de engenho e por não ter podido salvá-lo. Certa ocasião provou ser exímio nadador, ao aceitar um desafio: atravessar o Rio São Francisco, a nado, da Cidade de Propiá, no Sergipe, para Penedo, nas Alagoas. 

    Durante um bom tempo de sua vida, trabalhou como salva-vidas na praia de Copacabana. Beneficiado com o prestígio da família Romero, na época, conseguiu nomeação para um emprego público e até se aposentar trabalhou como servente nos principais hospitais da Cidade do Rio de Janeiro. Aliando seu temperamento explosivo ao seu desequilíbrio mental, Clyde, vira e mexe era transferido de repartição. 

    Certa ocasião, após encerar com muito capricho um dos corredores do famoso Hospital Jesus, especializado em atender crianças, segurou a enfermeira pelos ombros e, com os punhos fechado por muito pouco não a nocauteou ao vê-la patinar, deslizando e riscando o chão com seu sapato de salto alto, para pegar o elevador no fim do corredor. Imediatamente foi suspenso e transferido e só não foi demitido devido ao prestígio de seu sobrenome. Etelvino, meu avô paterno e tio de Clyde, foi um viciado em jogo de Damas. 

    Os filhos, meus tios, evitavam jogar com o pai porque ele costumava roubar no jogo. Clyde, então, passou a ser seu adversário favorito. Apesar de jogar sem prestar muita atenção, ele conseguia vencer sempre, mesmo sendo constantemente roubado, o que acabava por provocar a ira de vovô. Entretanto, foi Etelvino a única pessoa que Clyde não só respeitava, quanto temia. Num certo inverno muito chuvoso, Clyde comprou um par de galochas e veio exibi-lo para o tio. “Você tem guarda-chuvas? – perguntou Etelvino. Diante da negativa dele, vovô provocou: “é doido mesmo, compra galochas e não tem guarda-chuva”. Mais inconformado vovô ficou com o aparte de meu pai: Ele está certo, papai, pois o resfriado acontece a partir dos pés molhados. A discussão se prolongou por um bom tempo e, pela primeira vez, eu vi e ouvi Clyde se destemperar: “Pois amanhã, meu tio, vou gastar todo o meu salário do mês, comprando mais pares de galocha. Esse ano o inverno vai ser muito chuvoso – completou. E o pior é que aquela sua previsão foi mais que perfeita. Há muito tempo que o Rio de Janeiro não via um inverno tão chuvoso.



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