Diretor transpõe para o palco traumas gerados pelas ditaduras
O dramaturgo e diretor Newton Moreno, de 52 anos, percorreu parte da América Latina na segunda metade da década de 2010. De mochila nas costas e olhos bem abertos, passou pelo Uruguai, Argentina, Chile e Peru e, apesar do deslumbramento com as belezas turísticas, não fez vista grossa para o estrago da ditadura militar nestes países.
Em 2017, no Museu da História e dos Direitos Humanos, em Santiago, ele ficou comovido com a exposição dos desenhos de crianças privadas da convivência familiar por causa dos desmandos do general Augusto Pinochet. “Eram rabiscos, pinturas e depoimentos desses meninos passando a impressão do que é ser tirado de perto de um pai ou de uma mãe”, conta. Mais impactante lhe pareceu a visita, em 2019, a uma das salas da Esma, atual Espacio Memoria, em Buenos Aires, que, serviu de centro de tortura e foi transformado em museu. “Diante do horror de tantas famílias dilaceradas, entendi a importância de não deixar a população se esquecer dos efeitos de uma tragédia dessas, algo que, no Brasil, sempre foi pouco reforçado e, por isso, muitos se aproveitam dessa falta de memória e promovem a negação.”
Moreno começou a converter a revolta sentida em obra teatral ainda em 2019. Sueño, que, sob sua direção, estreou na sexta, 5, na área externa do Teatro João Caetano, mostra a trajetória de uma família interrompida por uma ditadura, livremente inspirada em Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare. A estrutura montada para vinte espectadores no espaço cultural da Vila Clementino segue os protocolos de segurança da covid, mas também remete às origens do teatro nas arenas da Grécia Antiga ou a um sonho sendo posto em prática sob os efeitos de uma peste. A temporada será de terça a domingo, às 18h, até 5 de dezembro, com ingressos gratuitos.
ENREDO
Em 1973, em Santiago, uma companhia ensaia uma montagem de Sonho de uma Noite de Verão. O diretor Vine e sua mulher, a atriz Laura (interpretados por José Roberto Jardim e Michelle Boesche), são obrigados a fugir depois da tomada do poder por Pinochet. Parceiros na vida e na arte, os dois trilharam caminhos diferentes na militância. Ele insistiu em brigar munido de poesia, enquanto ela, que está grávida, aderiu à luta armada. Durante o exílio, Vine idealiza o dia em que poderá, finalmente, encenar o espetáculo interrompido. Nos anos de 1990, com a redemocratização, porém, ele entende que, em meio a tanta destruição, não será simples negar os ecos do autoritarismo.
Em um primeiro momento, talvez se pense que o autor tenha se distanciado de seu país. Moreno, no entanto, apressa-se a falar: “Nós estamos falando do Brasil e da energia represada por causa do sucateamento do teatro”. As famílias dilaceradas pelos órgãos repressivos também estabelecem conexão com os mais de 600 mil mortos pela pandemia. “São milhares de histórias destruídas e, mesmo com o passar dos anos, os envolvidos vão ser lembrados o tempo inteiro do massacre sofrido.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.