Karim Aïnouz reflete sobre as suas origens e retrata seu amor pela mãe
Em meados dos anos 1930, Ernest Hemingway escreveu um volume de contos – As Neves do Kilimanjaro – retratando a geração de norte-americanos que viveu os anos loucos em Paris e tomou partido na Guerra Civil espanhola – a geração perdida. Karim Aïnouz faz reflexão parecida em O Marinheiro das Montanhas. Talvez seu filme mais belo, o que não representa pouco. No corpo da obra do autor estão Praia do Futuro, O Céu de Suely, Vida Invisível e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, esse em parceria com Marcelo Gomes.
Karim sempre sonhou em contar a história de sua mãe. Graças a uma pesquisa sobre algas marinhas, ela ganhou uma bolsa para estudar nos EUA. Conheceu o futuro pai de Karim, um jovem argelino. “Eram anos loucos, revolucionários, entre os marcos de Cuba e do Maio de 68.” Há bem uns dez anos ele pensava em pegar a mãe e levá-la à terra de seu pai. O casal apaixonado separou-se, cada um seguiu seu caminho. O pai voltou à Argélia, constituiu outra família. A mãe voltou a Fortaleza, criou o filho com ajuda das mulheres da família.
QUESTIONAMENTOS. O diretor reflete: “Se os pais tivessem permanecido unidos, se ele houvesse sido criado na Argélia, se, se, se…”. Teria se convertido em outro homem? “Estaria agora visitando a terra da mãe, a Praia de Iracema, em busca das origens?” Karim sempre sonhou em fazer essa viagem com a mãe, mas agora reconhece que teria sido impossível. Foi preciso que ela morresse. Na primeira tentativa, documentou os protestos nas ruas de Argel, e fez Nardjes A., que fez sua estreia mundial na Berlinale de 2020. Em 2019, Karim lançara Vida Invisível, candidato do Brasil no Oscar. “Foi tudo muito intenso, mas decidi que já era hora de fazer o filme.”
UM HOMEM COM UMA CÂMERA. “Quando me viam filmar, as pessoas queriam saber se eu era jornalista francês. Desconfiavam de mim. Quando eu contava que era filho de argelino e estava em busca da terra de meu pai, mudavam a acolhida. Eram carinhosos, solidários. Acho que só tive problemas uma vez, e não foi nada grave.” Sua ideia sempre foi chegar à Argélia no inverno, para ver a neve nas montanhas. Seus pais haviam vivido sua história de amor na neve dos EUA. Ao lançar Vida Invisível, Karim revelara que havia feito o filme em homenagem à mãe, porque encontrara no livro de Martha Batalha a história de uma geração de mulheres marcada pelo patriarcalismo.
O filme argelino seria sobre o pai, mas… “Terminou sendo uma carta de amor à minha mãe, que foi tão importante na minha formação.” O reencontro com o pai, na França, foi um anticlímax. “Conversamos, mas havia um estranhamento. Éramos dois homens tentando se conhecer, não pai e filho.” O momento havia passado. O pai chegou a reencontrá-lo em Argel, nas filmagens do Marinheiro.
“Não encontrei um jeito de encaixá-lo, presencialmente, no filme.” Ele começa e termina com o apito – grave, forte – de um navio entrando e saindo do porto da cidade. Soa como um réquiem, uma despedida. “E foi. Para mim, fazer esse filme é como se fosse uma espécie de despedida. Encerro uma fase, me sinto muito mais livre para recomeçar.”
NOVO PROJETO. Esse deslocamento, a ideia de perdas e ganhos, quem vai e quem fica, está na essência do cinema de Karim. Agora mesmo ele recomeça. O filme japonês – adaptado de Favela High-Tech, de Marco Lacerda, está andando -, mas a participação no Oscar abriu portas inesperadas.
Por intermédio de uma amiga, a diretora Kelly Reichardt, de First Cow – o filme dela é muito melhor do que Nomadland, que venceu o Oscar -, Karim chegou a Michelle Williams, que será a atriz de seu próximo filme. Firebrand contará a história de Catarina Parr, sexta e última mulher de Henrique VIII, e Jude Law fará o rei. Preocupado com os detalhes de época, Karim está fazendo curso de história com uma especialista. A rodagem será no ano que vem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.