• A casa da Rua 1º de março

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  • 05/07/2017 13:10

    Quando retornei a Petrópolis, em 2004, depois de 35 anos, recuei a 1958 no tempo, ao passar pela rua 1º de Março. Haviam demolido a última casa residencial daquele local, hoje só ornado de majestosos edifícios que roubaram a beleza bucólica de então, de lindas moradias de jardins floridos e postura imponente, verdadeiros postais como é peculiar na arquitetura das casas antigas. Ao lado, há muito que lá estavam alguns escombros, de outra casa, que esperava não ficassem iguais aos do antigo Hotel Majestic. Mas, com a casa 139, foi-se o último vestígio da velha rua e da minha primeira moradia, quando me casei, naquele ano. 

    De arquitetura duvidosa, estilo mexicano, parecia ter saído do filme “Viva Zapata”, com Marlon Brando. Um assobradado branco, fachada lisa sem detalhes, com um pequeno jardim, mas que não prejudicava a beleza do conjunto naquele rosário de belas moradias. Era meio taciturna, como sua dona, que parecia ter saída dum romance de Jane Austen ou Charlotte Blontë, ou de algum filme de época, estrelado pela grande dama do cinema, Flora Robson. 

    A proprietária morava na parte superior e nós, na parte inferior, transformada em três apartamentos. O nosso era aconchegante, de quarto e sala de bom tamanho, que abrigava todos os moveis e mais uma possante rádio-vitrola Hi-Fi que tinha sido de meu pai. No corredor largo, coloquei minha primeira estante de livros que conservo até hoje. Os móveis de quarto tinha, na cama, gavetas secretas que ninguém imaginava existir. Era um recanto gostoso, de saudosa memória, num tempo pacato, de frio intenso, e mesmo nas festividades do Petropolitano, não chegava a nos perturbar, do outro lado do rio. Naquele tempo, o lado ímpar da rua era de mão dupla para o trânsito, que continuava pelo meio das duas praças: Rui Barbosa e Liberdade, e seguia, em linha reta pela rua João Pessoa, mais conhecida como Cruzeiro. Infelizmente, tudo mudou em função do modernismo, marcado pela sanha imobiliária, que tudo destroe e devasta, agressivamente, sem respeito, em nome de um suposto progresso, mas que joga por terra toda a riqueza do passado e da memória, deixando somente a lembrança docemente amarga. – “Saudade palavra doce / que tanto amargor nos traz,/ como se lamento fosse / pelo que não volta mais”. 

    Aliás, ali não é mais a rua 1º de Março, até isto lhe tiraram. Hoje é Avenida Roberto Silveira, como a João Pessoa evaporou-se, trocada para Dr. Nelson de Sá Earp. Homenagens à parte, mais uma agressão à tradição e preservação de uma cidade imperial. E a praça, que de duas se transformou em uma, hoje é conhecida como Liberdade, mas que parece haver controvérsias. 

    O passado pode ser apenas saudade, mas é propriedade de cada um, com suas recordações, alegrias, dores e frustrações, mas somente seu, que nem Deus pode mexer.

    jrobertogullino@gmail.com

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