O coração rompido da nação
Furiosa, a reação de Temer à denúncia de Janot. Cuspiu marimbondos e acusou o acusador. E quer repetir o truque que o livrou no TSE, onde nomeou juízes camaradas que o absolveriam. Agora, depois de impor ministro discutível no STF, indica procuradora que o alivie das mazelas que seus atos provocam. Com Temer, é a corrupção brasileira que esperneia, furiosa. Cospe na nossa cara, esse polvo de muitos tentáculos.
Pois a corrupção se infiltra por baixo das portas, nas frestas das casas. Há corrupção no trânsito de burlar lei seca, no açougue de carne fraca, no pequeno comércio que sonega, na grande indústria que compra senadores, no gato de energia, no roubo de sinal de TV a cabo, no hospital sem remédios, no supermercado que falseia datas de produtos vencidos, na cultura de quem não cola não passa na escola, na escola pública que cobra papel higiênico dos pais e não dá uniforme gratuito, no político que compra votos à prestação, na igreja que vende milagres em saldão, nas universidades onde só ascende o intelectual que se rende à panelinha, nas repartições onde não se cumpre a carga horária e chefes são fantasmas sazonais, na feira livre de sentenças judiciais, no mercadão de multas de trânsito, no jornalismo de jabá e puxa-saquismo, no atacarejo de notícias fabricadas para entretenimento, no maconheiro traçando o baseado livremente à frente das crianças na Praia de Ipanema, no motoqueiro que insiste numa terceira faixa inexistente. Enfim… A corrupção, divindade não é, mas tem o dom da onipresença.
Séculos de escravagismo e hipocrisia nos puseram nação tolerante demais com a pequena corrupção. Do que se valem nossos governantes desde sempre para operar a grande corrupção. Ademar de Barros “roubava mas fazia”. E Maluf, Sérgio Cabral, Lula, Dilma e Temer. Fizeram pouco, frente à corrupção graúda que promoveram ou consentiram. Com a pequena corrupção e 60% dos congressistas respondendo a processos, ficamos um país de rabo preso, todo mundo com certa culpa em Cartório, sem condições morais de esmagar essa serpente perniciosa. Há exceções, e quero crer que eu e você estejamos entre elas. Mas são miúdas, de pequena força para vencer o Leviatã. E mesmo nas exceções, sempre haverá algo a corrigir, no mínimo uma omissão qualquer. É frequente no Brasil o que não se corrompe, mas também não combate ativamente a corrupção que o cerca. Dá trabalho, incompreensões, dor de cabeça, dá até processo judicial, perseguições… Bem sei. Alguém que aí tenha se levantado contra a injustiça e a corrupção saberá do que falo.
Leonardo Boff ensina que Agostinho cunhou a palavra corrupção, das matrizes latinas cor (coração) e ruptus (rompido) para explicar o pecado geral do gênero humano. Desse pecado, coração rompido, o Brasil sangra lentamente, há séculos. Nesta encruzilhada, podemos nos erguer nação grandiosa, ou chafurdar como povo que perdeu sua chance. A Lava-Jato é oportunidade. Por mais que discordemos de algo na Operação, como rejeitar o fato concreto: nunca tantos corruptos foram processados e condenados? A “República de Curitiba” não pode ser combatida só porque entre os processados está o seu ídolo político ou seu corrupto de estimação. Ela é uma chance de limpeza, purgação. Costurar esse coração rompido e nos dar vida nova. É claro que dói descobrir que fomos traídos. Mas é preciso cair na real: nem Dilma, nem Lula, nem Temer. Precisamos de coração íntegro. Que venha.
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