A mulher na resolução de conflitos e construção da paz
Venho vos apresentar a Elise Boulding, uma das responsáveis por inserir a mulher na área de construção da paz. Uma feminista pacifista, de olhar doce, inteligência afiada, palavra firme e poder imaginativo de transformar o mundo. Quando eu digo IMAGINATIVO, não é por acaso, logo mais você vai entender o porquê.
Esse texto não vai explorar o termo Feminismo e nem fazer incansáveis explicações e argumentações com o intuito de convencer ou provar nada para ninguém. Esse texto é para quem já sabe.
O intuito é mostrar como essa construção histórica sociocultural afetou e afeta a função da mulher na construção da paz e resoluções de conflitos, e mostrar alguns feitos da Elise.
A Organização Liga Internacional para Paz e Liberdade é a mais antiga organização de mulheres pela paz, fundada em 1915. Em 1968 Elise foi a diretora dessa organização e ao longo das décadas veio influenciando e defendendo o espaço da mulher nos processos de construção de paz.
O bom entendedor sabe que uma análise de conflitos eficiente, que define ações e inicia programas em inúmeras partes do mundo, não pode ser cega a questão de gêneros, não pode ignorar a perspectiva de mais de 50% da população do mundo. Não apenas por ser injusto, mas porque de fato prejudica a análise e os resultados de ações estratégicas que devem ser desempenhadas com muito cuidado. Uma análise de conflito eficiente precisa conter perspectivas de pessoas muito diferentes entre si, incluindo diversidade de gênero, etnias, raças, religiões e conhecimentos.
Foi apenas no ano 2000, com a resolução 1235 da ONU, que a incorporação da perspectiva de gênero nos processos de construção e manutenção da paz e resolução de conflitos foi de fato levada a sério. Koffi Annan afirma que essa resolução foi um marco para conscientizar o mundo sobre os impactos de conflitos armados em mulheres e meninas e sobre a importância de ter mais mulheres nesse campo. Desde então, novos cargos altos passaram a ser assumidos por mulheres.
Se você é mulher e trabalha nesse campo, agradeça a Elise e outras mulheres que nos abriram caminhos, porque o processo não foi fácil.
Em 1976, em seu livro histórico The Underside of History, ela apresenta um projeto feminista para abolir a agressão comportamental e estrutural contra mulher e estabelecer a igualdade entre gêneros. Ela identifica a importância do empoderamento feminino pela sua própria luta, e ressalta que a busca por igualdade de gêneros não deve se limitar apenas na opressão contra as mulheres, mas em mudanças nas estruturas sociais que causam opressão para ambos os sexos. Dessa forma, ela insere a mulher como uma força propulsora de desenvolvimento e construção de paz, que tem reflexos até hoje.
De acordo com Elise as mulheres nunca participaram de mesas ne negociações importantes e nem foram o centro de tomada de decisões para a guerra, e tão pouco contribuíram com a dinâmica militar nuclear, com dilemas de seguranças e ameaças com o uso da força na nossa história recente. Generalizando, a história da guerra foi escrita muito mais pelos homens do que pelas mulheres. Lembre-se que eu não estou discutindo a natureza humana de cada sexo, mas sim o seu papel social influenciado por uma miríade de detalhes. Portanto, não estou defendendo que em sua natureza o homem seja violento e a mulher pacífica, somos todos frutos de uma história.
Um aspecto curioso dessa divisão de funções, é o fato das mulheres valorizarem mais o aspecto inter-relacional em uma negociação e apresentar uma tendência maior para alternativas criativas. Esse aspecto se reflete nas organizações internacionais formadas por mulheres que apresentam mais liberdade e criatividade de pensamento. Em geral, os grupos de mulheres tem uma perspectiva melhor sobre o que é bom para os direitos humanos e para o coletivo, elas trazem um outro olhar, uma outra perspectiva influenciada pela soma centenária de sua experiência sociocultural.
Em nossa sociedade as palavras: Imaginativo/a, sonhador/a nem sempre é visto com bons olhos. Mas eis que isso tem o potencial de mudar o mundo.
Durante uma conferência para discutir a paz com especialistas do mundo todo, Elise fez uma pergunta simples. “Se realmente tivéssemos o desarmamento, como seria o mundo sem armas, como de fato a sociedade funcionaria?”. Nem uma pessoa soube responder essa pergunta. Ela se deu conta de que os movimentos focados para construção da paz, estavam trabalhando sem imaginar como seria um mundo pacífico de fato. Quais e como seriam instituições? Haveria polícia? Como seriam as escolas? O grupo tentava construir a paz, mas sem saber responder como seria a paz na prática.
O poder imaginativo de abstração e reconstrução de um mundo imaginário só é coisa de lunático se nenhuma ação for tomada. Para Elise, criar uma realidade mental é apenas um primeiro passo, e pensar em ações práticas para torna-las realidades, é o segundo passo. Sociedades com a capacidade de imaginar um futuro positivo tem muito mais chances de êxito nesse sentido.
Ao longo dos anos Elise facilitou muitos workshops que exploraram esse poder imaginativo, junto com a organização de planos de ação tangíveis. Portanto, a paz é pensada no futuro e construída no presente.
#juntassomosmaisfortes
Finalizo com as palavras de Elise,
“Um conceito favorito meu é o presente de 200 anos, uma maneira de pensar sobre a mudança. O presente de 200 anos começou há 100 anos, com o ano de nascimento das pessoas que atingiram seu centésimo aniversário hoje. O outro limite do presente de 200 anos, de mais de 100 anos, é o centésimo aniversário dos bebês nascidos hoje. Se você tomar esse espaço, você e eu temos contato com muitas pessoas de diferentes partes desse período.”
Fonte:
The Role of Women in Mediation and Conflict Resolution: Lessons for UN Security Council
Resolution 1325 Roohia S. Klein
Contemporary Conflict Resolution The prevention, management and transformation of deadly conflicts Chapter 13 – Gender and Conflict Resolution
http://www.gmu.edu/programs/icar/pcs/EB83PCS.htm
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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Jornal Tribuna de Petrópolis.