‘Kill Bill’ no DNA de ‘Yakuza Princess’
Mistura nacional do John Carpenter de Aventureiros do Bairro Proibido com Kill Bill, o thriller Yakuza Princess, A Princesa da Yakuza é a nova incursão do cinema nacional no terreno das HQs, ao universo pop do quadrinista paulistano Danilo Beyruth, que participou da criação dos centauros motorizados de Motorrad (2017), filme anterior da dupla Tubaldini Shelling (produtora) e Vicente Amorim (cineasta), que unem forças uma vez mais.
Agora, o duo recria a noite de São Paulo sob a ótica dos imigrantes japoneses, nisseis e sanseis aqui residentes. Protagonizada pela atriz e cantora nipo-americana Masumi Tsunoda e pelo galã irlandês Jonathan Rhys Meyers (de Match Point), essa adaptação da HQ Samurai Shirô (editada pela Darkside Books em 2018), que já estreou nos EUA e na Europa, chega ao Brasil nesta quinta-feira, 7.
A expectativa lá fora é alta, não apenas pelo barulho que Motorrad alcançou em sua passagem pelo Festival de Toronto, há quatro anos, mas pela boa repercussão de seu trailer, que traz cenas de batalha como o Brasil nunca fez igual, derramando adrenalina das lâminas de seus personagens.
“Danilo tem uma narrativa muito cinematográfica, para além de dominar com maestria a criação de atmosferas, e sua obra, para além de Shirô, dialoga muito com as produções internacionais correlatas, sem deixar de lado sua assinatura, conseguindo levar ao público uma criação mainstream com traços personalísticos muito presentes”, diz Shelling, que produziu sucessos na seara da comédia, como Divórcio (2017) e O Concurso (2013), e enxerga em Yakuza Princess uma forma de diversificar o cinema de gênero brasileiro. “Montar esse elenco foi uma tarefa complexa, quer seja por serem grandes estrelas, com algumas de Hollywood e outras de Tóquio, quer seja pela logística que isso pede. Porém a qualidade do projeto é que foi responsável por atrair talentos desse calibre.”
Amorim já dirigiu medalhões estrangeiros antes, como assistente de direção – em Brincando nos Campos do Senhor (1991), de Hector Babenco, com Tom Waits, Daryl Hannah, Aidan Quinn e Tom Berenger – e como realizador. Em 2008, rodou e lançou Um Homem Bom (2008), com Viggo Mortensen, Jason Isaacs e Mark Strong, numa trama de gênese teatral que remonta à ascensão do nazismo. Em 2013, coordenou os segmentos de transição de Rio, Eu Te Amo, na cola de uma trupe que unia a libanesa Nadine Labaki ao nova-iorquino Harvey Keitel. Há cerca de dois anos, dirigiu o italiano Giancarlo Giannini, o eterno Pasqualino Sete Belezas, muso de Lina Wertmüller, em Duetto, drama romântico ainda inédito. Mas no currículo de Amorim há um canal direto com o Japão: o filme Corações Sujos, de 2011. Ali, ele resgata a história de uma célula nacionalista nipônica num Brasil que se despedia do Estado Novo e comemorava o fim da Segunda Guerra. Desse thriller, um sucesso de bilheteria em territórios asiáticos, baseado na prosa de Fernando Morais, o cineasta carioca importou seu conhecimento sobre geopolítica oriental e o ator Tsuyoshi Ihara.
“O que une os dois filmes, que são bem diferentes é o ‘Yamato damashii’, o ‘espírito japonês’. O conceito envolve muito mais do que isso, mas, para simplificar, vamos defini-lo assim”, afirma Amorim. “Ao retratar a cultura da violência nipônica, estamos falando de honra, da falta dela, e, claro, do Bushidô, o código samurai, e de como esses elementos ficaram preservados no Brasil, na comunidade japonesa brasileira, até mais do que no próprio Japão. O que os dois filmes têm de singular é a expressão desse código através do confronto com os japoneses ditos ‘degenerados’ e os ‘gaijins’, os não japoneses, que jamais o entenderão.”
Fotografado por Gustavo Hadba (de Veneza e O Grande Circo Místico), A Princesa da Yakuza começa com Akemi (Masumi), uma jovem descendente de japoneses, trombando com um estrangeiro ocidental sem memória, que carrega uma katana, a espada usada pelos samurais. Rhys Meyers é o tal desmemoriado, que estampa no rosto cicatrizes de cortes. A partir desse encontro, Akemi passa a ser perseguida por agentes da Yakuza, a máfia japonesa. Para sobreviver, ela precisa enfrentar seu passado enquanto se arrisca nas ruas paulistanas usando sua destreza nas artes marciais e seus dons como espadachim.
“Os diretores Takashi Miike e Takeshi Kitano foram os faróis que guiaram essa jornada. Seus temas podem ser diferentes, mas seus personagens são mais ou menos parecidos com os meus. A textura de seus filmes é uma das minhas maiores referências”, explica Amorim, citando o diretor de 13 Assassinos (Miike) e ganhador do Leão de Ouro de 1997 com Hana-Bi – Fogos de Artifício (Kitano). “Deles, brota uma violência operística, mas muito simples, feita de encontros entre personagens antagônicos contra um painel barroco. Todo universo visual do filme foi construído com uma equipe que tem me acompanhado direto em aventuras como Yakuza Princess. O Gustavo Hadba, na direção de fotografia, a figurinista Cris Kangussu, o diretor de arte Daniel Flaksman e eu estamos fazendo gênero no Brasil, tropicalizando o que a gente mais gosta. Miike é mestre e referência. Mas juntamos aí experiências pessoais, minhas idas ao Japão, as trocas que tenho com Gabriel, meu filho, sobre anime e mangá, e usamos outras estéticas, de O Ano do Dragão a Blade Runner, passando, claro, por Carpenter. Nessa massa, a mão de montadores como Danilo Lemos e Lucas Gonzaga tem sido fundamental”, explica.
Em meio a uma fase de grandes heroínas de ação, que vai da Imperatriz Furiosa, de Mad Max – Estrada da Fúria (2015) a Atômica (2017), passando pelo culto à Arlequina, na franquia Esquadrão Suicida, a figura de Akemi, criada por Beyruth, acrescenta mistérios orientais a um filão que tem A Noiva, de Uma Thurman, em Kill Bill como DNA. “Difícil fazer um filme com uma protagonista samurai e não pensar em Kill Bill, ainda mais com uma história de vingança”, explica Amorim. “Essa referência é tão forte que tentamos, todos nós, deixá-la como sombra, já que saberíamos que ela brotaria espontaneamente. Akemi é da estirpe de heroínas aprisionadas pelo destino, que acordam um dia e se veem obrigadas a serem quem se destinavam a ser, mesmo sem sabê-lo. O mais importante, e que tentamos desde as primeiras versões do roteiro, foi fazê-la dona da própria história, a não deixar outros personagens, especialmente num mundo masculino como o da Yakuza, fazerem as escolhas que a transformariam em mais uma heroína, ou anti-heroína”, acrescenta o diretor Vicente Amorim.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.