• De herói do western a grande autor

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 16/09/2021 08:36
    Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão / Estadão

    No começo dos anos 1970, Clint Eastwood era o durão de Hollywood que as feministas de todo o mundo amavam odiar. A par de ter sido o protagonista da trilogia do Estranho Sem Nome, que consolidou Sergio Leone, na Itália, como grande nome do spaghetti western, ele voltara aos EUA para se converter em astro nos filmes de Don Siegel. Surgiram Meu Nome É Coogan, Os Abutres Têm Sede e o primeiro Dirty Harry, Perseguidor Implacável. Em 1971, o próprio Clint converteu-se em diretor.

    Antes cabe dizer que ele foi à Itália porque se tornara conhecido com uma série de western na TV, Rawhide, e ainda custava barato para os produtores. Diretor, fez um thriller psicanalítico (Perversa Paixão), uma retomada, na América, do personagem de Leone (O Estranho Sem Nome) e o romântico Interlúdio de Amor.

    Clint não estava só satisfazendo um capricho, como outros astros que também viraram diretores – Burt Lancaster, Kirk Douglas, John Wayne. No Dicionário de Cinema, Jean Tulard inicia seu verbete sobre ele com uma observação pertinente.

    Quem iria imaginar que o herói mal barbeado e fumando a eterna cigarrilha dos spaghetti westerns de Leone se transformaria num dos mais importantes autores do seu tempo? Pois foi o que ocorreu.

    Na direção, Clint volta e meia pagou tributo ao western. Considerado o gênero por excelência do cinema americano, o popular bangue-bangue esculpiu uma visão idealizada da conquista do Oeste. O imbróglio de Portal do Paraíso, de 1980, quando Michael Cimino foi acusado de levar a United Artists à bancarrota, tornou o western maldito. Foi transferido para as estrelas – na série Star Wars. Raros autores insistiram em percorrer as trilhas do Wild West, atores/diretores como Clint e Kevin Costner, que ganhou os Oscars de filme e direção de 1990, por Dança com Lobos. Clint também recebeu seus primeiros Oscars – de filme e direção – por um bangue-bangue, Os Imperdoáveis, de 1992. Entre 1972 e 92, fez também o barroco Josey Wales, o Fora da Lei e O Cavaleiro Solitário, recriando o imortal Shane do western clássico de George Stevens, Os Brutos Também Amam.

    O próprio Clint parecia haver desistido do western. Cry Macho marca um retorno. Não é um bangue-bangue legítimo, mas se inscreve na tradição do gênero, e nisso é primo-irmão de outro Clint, de 1980, contemporâneo da monumental extravagância de Cimino. Bronco Billy está mais na essência dos espetáculos itinerantes do lendário William Cody (e que Robert Altman transformou em Buffalo Bill e os Índios/West Selvagem, de 1976). Um circo itinerante, um velho mocinho bêbado e o toldo que reproduz a bandeira remendada dos EUA. Nesse picadeiro, o republicano Clint mostra a diversidade que fez a grandeza da América e acolhe até o desertor da Guerra do Vietnã. Cry Macho, na fronteira mexicana, é sobre a tradição – no cinema e na vida. O velho astro de rodeios, o garoto rebelde e a mexicana de coração grande que os acolhe. Nonagenário, Clint acredita cada vez menos no próprio mito. Como sempre que ele se volta para o universo do western, é para dar lições críticas sobre os EUA.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Últimas