• Peça ‘Tectônicas’ investiga raízes da violência e mergulha no Brasil profundo

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  • 13/09/2021 08:14
    Por Bruno Cavalcanti, especial para o Estadão / Estadão

    Embora a eleição de Jair Bolsonaro à presidência tenha inspirado uma série de análises que o colocam como centro motor de questões como o aumento da violência a grupos minoritários e o aumento do poder do coronelato brasileiro, não foi necessariamente este o estopim que levou o dramaturgo Samir Yazbek a Tectônicas, texto que começou a escrever em 2018 e que está em cartaz no palco do Teatro do Sesi, mais de um ano após o início dos ensaios, ainda em 2020.

    “Esse quadro político-social brasileiro se desencadeou nesse contexto difícil que estamos passando, com a eleição de Bolsonaro, mas as primeiras inspirações deste texto estão relacionadas a uma intensificação de comportamentos que estão aí desde a colonização. Em alguns momentos mais escondidos, em outros mais aparentes, mas com certeza eu quis fazer essa verticalização explorando essas contradições que os indivíduos apresentam nas estruturas sociais”, explica.

    Sediada em uma cidade do interior paulista, a obra enfoca um ciclo de poder que rodeia Jorge, um usineiro poderoso que busca a todo o custo manter o poder enquanto expande os ganhos de sua empresa. Em paralelo, o empresário nutre a fixação de fazer justiça com as próprias mãos contra Marcelo, jovem negro que ele acredita ter agredido sua filha, Fabíola, enquanto lida com a presença de seus familiares, já mortos, em suas lembranças.

    “Essa camada mítica do texto, que reverbera muito no espetáculo, é outra indagação minha. É essa violência nas raízes humanas. Uma espécie de tentativa de criar um raciocínio de ver como as três esferas, a violência social, a violência individual e a política, estão interligadas, porque quando eu sinto que olhamos para apenas uma, vemos uma parte do problema e caímos na ilusão de que essa questão complexa pode ser resolvida facilmente”, conceitua Yazbek.

    Parecido pensa Marcelo Lazzaratto, que assina a encenação do espetáculo, e enxerga na peça uma força potencializada pelo tempo de maturação que a pandemia do coronavírus impôs ao espetáculo. “Infelizmente, a peça ganhou mais potência. E digo infelizmente porque o Brasil piorou muito. Eu acredito na obra de arte como uma espécie de diálogo da natureza humana e da sociedade política de um país. Essa peça já seria forte independentemente da atual governança, do estado de saúde, das crises sociopolíticas, porque ele estabelece uma realidade cotidiana para mergulhar em um Brasil mais profundo que remete às capitanias hereditárias.”

    “E o maior problema talvez seja a primeira forma como se estabeleceu a governança, que foram as capitanias. Uma pessoa só domina uma vastidão de terras, o que é absurdo. E esse tipo de tradição vem até hoje, então, independentemente da pandemia e da atual governança, eu sinto que a peça já diria bastante e já teria um lindo diálogo com as nossas estruturas que estamos tentando aos poucos transformar. Mas, com o agravamento das coisas no País nos últimos anos, a peça se mostra com uma interação absoluta com o que está acontecendo. Ela ganhou uma contemporaneidade violenta”, analisa o encenador.

    Na pele do usineiro Jorge, André Garolli enxerga, tal qual autor e diretor, um Brasil vasto de inspirações para discutir os temas que a peça levanta, ainda que de forma menos óbvia. “Inspiração é o que não falta no Brasil de hoje. Quer dizer, nem na história do Brasil. A sensação que me dá é que o Jorge é essa personagem com a herança dessas capitanias hereditárias lá no pensamento social em relação à família e à política. É esse coronel do qual, por incrível que pareça, a gente não conseguiu se livrar ainda no século 21. Gira tudo em torno dessa construção econômica e de privilégios, portanto, a partir do momento que eu me sinto desprivilegiado na justiça, eu acabo criando minha própria justiça”, conta.

    “Isso é muito generalizado e muito normal. No nosso País temos um presidente que está o tempo inteiro se colocando dessa forma com as instituições, como o STF, por exemplo. É só olhar para a atualidade, e não só no Brasil, para trazer esse universo claro que o Samir e o Marcelo quiseram criar em cima de uma linguagem para que isso não ficasse em cima de uma novelinha. Meu personagem tem essa representação mítica no sentido de um arquétipo que simboliza não uma, mas várias formas e personalidade da nossa atualidade”, completa.

    Com um elenco formado por oito atores, Heitor Goldflus, Luciana Carnieli, Maria Laura Nogueira, Mauro Schames, Patricia Gasppar, Sandra Corveloni e Sidney Santiago Kuanza, além de Garolli, Tectônicas marca um retorno exponencial dos grandes espetáculos aos palcos, num hiato de grandes montagens que remete a até mesmo antes de a pandemia exigir a adoção de medidas de distanciamento social.

    A obra cumpre temporada até o dia 5 de dezembro, com sessões às sextas e sábados, às 20 h, e aos domingos, às 19 h. A partir de quarta, 15, o espetáculo estará disponível no canal oficial do Sesi São Paulo no YouTube após uma sessão transmitida via Zoom na qual elenco e diretor conversarão com a plateia. Os ingressos são gratuitos.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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