Delação premiada
De tempos em tempos certas palavras ou expressões, em nossa língua, passam a ser exploradas constantemente, tanto na mídia impressa, quanto na mídia falada. Na atual conjuntura a expressão “delação premiada” está na moda. Hoje, neste mar de lama em que procuramos navegar, evitando os respingos para não manchar tanto a nossa roupa, quanto a nossa moral, lemos e ouvimos de nossas autoridades e políticos corruptos, delações das mais variadas sobre propinas, na base dos milhões, que são usadas para comprar silêncios e promover negociatas ilícitas que prejudicam a nação em benefício de alguns poucos. A delação não alivia o peso na consciência do corrupto delator, mas, ao atirar a podridão no ventilador, ele, o delator, consegue, de nossa omissa Justiça, livrar-se das pesadas penas e sair incólume de alguns processos. Ser honesto é dever do cidadão, e não uma qualificação especial. Porém, a lisura e a honestidade estão cada vez mais desassociadas de nossos políticos e autoridades. Corrupção, desonestidade e roubalheira sempr54e existiram, aqui e em várias partes do mundo. Não é uma exclusividade nossa. O que muito pouco existiu foi a punição e a tal delação premiada. As propinas mudam de bolsos, mas sempre existiram, tanto na era Vargas, quanto após o golpe militar. Hoje este mal está mais escancarado, devido à parcial liberdade da imprensa. Digo parcial, porque totalmente livre a imprensa nunca existiu. Quem vive de publicidade, tem que obedecer a determinadas regras.
Retrocedendo na história, volto às esquinas de minha adolescência e encontro o amigo Silvinho. Figura ímpar que não podia faltar em nossas reuniões nos fins de semanas. Sempre risonho e bem humorado, Silvinho foi o maior conhecedor de picantes anedotas que conheci. Possuía um vasto repertório. Contava dezenas a cada semana sem repetir uma sequer. Seu Joaquim, pai do Silvinho, era dono do mais frequentado bar do bairro em que eu morava. O sonho do velho lusitano era ver seu filho ao seu lado, por trás do balcão, ajudando-o. Porém, Silvinho não só jamais aceitou o convite, como passou a ser o melhor freguês do bar concorrente, só pra sacanear o pai. Além de engraçado, possuía outra peculiaridade. Apesar de desengonçado e de baixa estatura, era um grande conquistador de corações femininos. Devido a tais predicados, tornou-se nosso líder. Porém, para nossa surpresa e desamparo, Silvinho casou e abandonou esquinas e bares. Entretanto, algum tempo depois, o especial amigo retornou às esquinas nos fins de semana. Surpresos, perguntamos ao Silvinho como ia levando o seu casamento e ele logo respondeu: no início foi muito bom, mas depois foi ficando insustentável. Mas agora, felizmente, tudo voltou ao normal. – E como aconteceu isso? – perguntamos. – Revelei a minha mulher que estava tendo um caso amoroso e vivendo uma vida dupla, paralela. E, aqui pra nós, coisa que nunca aconteceu. Mostrando-me arrependido, jurei ter rompido a tal relação e garanti fidelidade absoluta. Presenteei minha mulher com uma linda dúzia de rosas vermelhas e um belo poema romântico com dizeres apaixonados, escritos no cartão. Agora vivemos em total felicidade e harmonia! Esta foi, sem dúvida, uma bela “delação premiada”.