• Influenciadora diz ter sido pressionada pelo senador Irajá Silvestre a abortar

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 29/08/2021 08:35
    Por Rayssa Motta e Fausto Macedo / Estadão

    “Estava com 15 semanas. Eu ia morrer. Acho que eu teria que fazer um parto, só que de um filho que não estava pronto para nascer”, relembra a influenciadora Maria Eduarda Fermino sobre uma das últimas conversas com o senador Irajá Silvestre (PSD-TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PP-TO).

    Aos 27 anos, ela contou ao Estadão como teria sido pressionada pelo parlamentar a interromper a gestação de cerca de quatro meses. O aborto não aconteceu e a jovem decidiu falar sobre os abusos que afirma ter sofrido ao descobrir a gravidez.

    “É uma coisa que muitas mulheres passam e a gente não tem que se calar. Eu fiquei calada esse tempo todo”, explica Duda enquanto amamenta o bebê recém-nascido.

    Procurado pela reportagem, Irajá disse que as acusações são ‘absurdas e mentirosas’. “O senador está dando todo o amparo à criança por meio do pagamento de pensão”, diz a nota enviada por sua assessoria.

    A história não é isolada: uma gestação não planejada e fora de um relacionamento consolidado. O envolvimento com Irajá aconteceu entre agosto e novembro do ano passado, período de campanha para as eleições municipais.

    Quando o primeiro teste de gravidez deu positivo, em dezembro, Irajá e Duda já não estavam mais juntos. Antes disso, os dois chegaram a viajar durante mais de duas semanas pelo interior do Tocantins enquanto o senador rodava o Estado fazendo campanha para os aliados. Na época, Maria Eduarda havia sido nomeada para o cargo de assessora no gabinete dele.

    “Isso na verdade era para se aproximar de mim. Eu nunca cheguei a trabalhar realmente. Disso daí ficou inevitável, as mensagens, a insistência, e eu acabei me envolvendo com ele”, conta a jovem. A exoneração sem aviso prévio veio, segundo ela, após a negativa em interromper a gravidez.

    “Eu acho até que o que ele fez comigo foi uma forma de pressão, de exonerar, não ter ajudado… Pensando: “Ah, quem sabe assim ela desiste”. Acho que ele não contava que eu ia ter uma família que ia me apoiar”, analisa Duda.

    O apoio dos pais foi tão importante que o bebê foi batizado em homenagem ao avô. Antes da família descobrir a gestação, no entanto, a jovem passou as primeiras semanas da gravidez sozinha. A orientação para manter o assunto em segredo e evitar ultrassonografias partiu do próprio Irajá, segundo Duda.

    “Eu estava tão mal que eu não fazia nada além de chorar. Eu chorava dia e noite. Eu acordava para chorar e chorava para dormir. Não gosto nem de lembrar, porque foi muito difícil. Eu não comia, eu não dormia, eu não fazia nada além de chorar”, relembra.

    Além da ansiedade, a falta de acompanhamento médico pré-natal cobrou a conta: Duda desmaiou em um supermercado, foi levada ao hospital e diagnosticada com anemia. Os pais foram chamados e só então ficaram sabendo do bebê. Com a notícia, levaram a filha de volta para casa, em Paraíso, uma cidade de pouco mais de 50 mil habitantes a 68 quilômetros da capital Palmas.

    A viagem esfriou as conversas sobre a interrupção da gravidez. Até então, Irajá teria tentado marcar o aborto com a ajuda de um amigo em Goiânia e em uma clínica de São Paulo. De acordo com Duda, a pressão começou já na primeira conversa que os dois tiveram sobre o assunto, com sugestões de que o filho ia “atrapalhar” a vida dela.

    “Eu senti dele muita frieza. No momento, eu não gostava da gravidez, eu não queria a gravidez, eu rejeitei essa gravidez por muito tempo também. Só que você está falando de uma vida”, diz.

    “Em meio a tudo isso, era a semana do aniversário dele, e ele ainda fez uma comemoração de aniversário em Brasília, no meio de toda essa situação. Ele sumiu, foram uns dois dias dele desaparecido, ele foi aparecer depois da festa”, relembra.

    Ao blog, Duda contou que ficou balançada quando finalmente fez a ultrassonografia e ouviu pela primeira vez os batimentos cardíacos do filho. O medo de passar por um procedimento clandestino também pesou na decisão de ser mãe, somado ao apoio da família e ao acompanhamento psicológico que passou a receber.

    “Teve outra coisa que eu achei que foi muito sinal também: um amigo me mandou uma mensagem falando que uma amiga dele tinha acabado de falecer em uma clínica de aborto. Aí eu printei e mandei para ele [Irajá]. Eu fiquei super assustada. E ele falou que esse tipo de acidente podia acontecer até com procedimento estético e falou que era quando era feito de maneira irresponsável. Ele sempre tentava minimizar o assunto”, relembra.

    A última conversa que Maria Eduarda teve com o senador foi para comunicar a decisão de seguir com a gravidez, embora tivesse concordado antes em fazer o aborto. A jovem conta que Irajá ainda tentou dissuadi-la, chegou a comprar uma passagem aérea para que fosse a São Paulo fazer o aborto, mas ela não voltou atrás.

    “Ele falou que tinha gasto R$ 25 mil em consulta e exame. E ele fazia questão de ficar falando esse valor toda hora: ‘Eu gastei R$ 25 mil, agora você tem que vir’. Eu chorava no telefone”, conta. “Queria por tudo que eu fosse e falei que não ia ter como. Aí ele começou a ser grosso. Falou que não era palhaço.”

    Depois disso, os dois nunca mais se falaram. O contato passou a ser intermediado pelos advogados quando Duda entrou com uma ação de alimentos gravídicos para dividir as despesas do período gestacional. Foi quando ela conheceu a advogada Gisele Proença, figura-chave na decisão de tornar o caso público.

    “Incentivei que ela contasse a história dela”, conta a profissional. “É mais uma mulher que sofre de estelionato emocional durante a gravidez”, explica sobre os casos semelhantes que acompanhou ao longo de mais de duas décadas de trabalho na área de Direito de Família.

    A advogada vê no caso de Duda duas camadas de violência contra a mulher: psicológica e financeira. “É o grau máximo do abandono: no aspecto afetivo e no aspecto material, tendo amplos recursos”, afirma.

    Gisele explica que a próxima etapa do processo, que corre sob segredo de justiça, consiste no ajuste do valor da pensão após o nascimento do bebê. O novo cálculo é feito a partir de uma pesquisa sobre a capacidade financeira dos pais. Segundo a advogada, o valor definido inicialmente para a gestação foi reduzido a pedido do senador.

    “A gente está sempre tendo decisões aquém do que espera, principalmente financeiramente. O Judiciário, de forma reiterada, pune as mães que ficam com seus filhos. Estão sempre definindo a pensão olhando para quem paga e nunca para quem recebe. É sempre quanto o pai ganha e nunca quanto a mãe ganha, como ela vai cuidar do filho e quanto o filho precisa. É sempre o lado masculino”, lamenta.

    Irajá só conheceu o filho no último dia 16, mais de vinte dias após o nascimento. Eles se encontraram em um laboratório de Palmas para fazer o teste de DNA, cujo resultado positivo saiu na última segunda-feira, 23. “Nem olhou para o meu filho, nem teve a curiosidade de saber como era”, conta Duda sobre o encontro.

    Com o filho nos braços, ela diz ter certeza de que fez a escolha certa. “Eu choro tanto lembrando de tudo isso, porque eu fico imaginando se eu tivesse ido, eu não ia ter meu filho agora. Hoje eu olho para o meu filho e eu passaria por tudo de novo para ter ele comigo. Só que não é fácil, não é fácil passar por tudo isso sozinha, eu não desejo para ninguém passar o que eu passei”, afirma.

    No Brasil, o aborto legal é permitido apenas em casos exepcionais, como de violência sexual, até a 20.ª semana de gestação. Para Emanuelle Goes, pesquisadora em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, com trabalhos sobre gênero, raça, maternidade e gravidez, a decisão sobre a gestação cabe exclusivamente à mulher. Ela vê nos casos de pressão uma forma do que chama de ‘violência reprodutiva’.

    “A escolha, a autonomia, seja pela maternidade ou seja pela interrupção, é fundamental. A partir do momento em que não é escolha e que há uma coerção, há uma pressão para que a mulher ou aborte ou tenha a gravidez, isso é considerado violência reprodutiva”, explica.

    “É uma violência reprodutiva, porque ela está sendo lesada a fazer aquilo que ela não decidiu, independente da escolha. A situação em que o aborto é visto como um direito é a situação em que a mulher decide abortar. A partir do momento que é uma decisão, vamos dizer, terceirizada, para família ou para o companheiro, é considerado violação”, acrescenta.

    Com a palavra, o senador Irajá Silvestre

    “Além de envolver um assunto pessoal e o processo tramitar em segredo de justiça, as acusações são absurdas e mentirosas. Embora o resultado do teste de paternidade não tenha sido confirmado até hoje, o senador está dando todo o amparo à criança por meio do pagamento de pensão.”

    Últimas