• O tempo e a natureza humana

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  • 29/08/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    “Que animal anda pela manhã sobre quatro patas, a tarde sobre duas e a noite sobre três?”

     Decifrar o enigma da esfinge não basta, é preciso entender o mistério do bicho homem. Cada ser é único, independente da etnia. Somos constituídos da matéria que serve de banquete aos vermes, os operários das ruínas, conforme nos adverte Augusto dos Anjos no soneto “Psicologia de um Vencido”. Somos perecíveis, apodreceremos algum dia ou seremos cremados. Vimos do pó e ao pó voltaremos. Nessa travessia, sonhamos com a eternidade. Estamos aqui de passagem. Esta que chamamos de vida.

    Na fase que andamos de quatro patas, as lágrimas não são retidas, nem contidas. Temos a ingenuidade e a espontaneidade que a verdade exige. Mas quando o bicho homem se acha adulto (adulterado), apodera-se da sagacidade, da vileza, do orgulho e sente-se senhor do universo, superior ao tempo. Mas este sabe mover o destino. E raros são os que, com o peso dos anos sobre os ombros, conseguem equilibrar-se em três patas e desprender da arrogância. E assim encontrar a humildade como o caminho que leva à eternidade.

    O ciclo da vida humana é imprevisível. Todos sabemos que biologicamente teremos um fim. A matéria humana é perecível. Epiderme preta, branca ou amarela, pouco importa, a morte é para todos. “Cada minuto da vida/ Nunca é mais, é sempre menos/ Ser é apenas uma face/ Do não ser, e não do ser./ Desde o instante em que se nasce/ Já se começa a morrer.” – Afirmara Cassiano Ricardo no poema “O Relógio”.

    Vejo as ações do tempo que nos fazem pensar sobre o viver. Quanto mais me deparo com as limitações impostas pelo passar dos anos, mais fico convicto de que a vaidade é uma estupidez.

    A velocidade da vida moderna nos leva a ter a impressão de que o tempo anda acelerado. Mas, na verdade, o dia continua com as suas 24 horas. O minuto ainda tem os seus 60 segundos.

    Digitais ou pendulares, os relógios continuam a marcar o tempo que foge do nosso controle. A agenda dos compromissos profissionais não pode ser transformada em pelourinho.  Escravizar-se para atender às ansiedades do consumo consiste em conduzir a vida por um caminho estressante. Viver pela obsessão de acumular capital para ampliar, a qualquer preço, o poder de compra pode acarretar sérios problemas.

    Acho que algumas pessoas hoje estão em maus lençóis, porque se deixaram corromper pelo vil metal. Venderam a alma, por isso estão sofrendo as consequências da corrosão ética. A todo custo, viveram em função da aquisição de bens para ter o prazer de dizer que houve uma realização pessoal; quando, na verdade, apenas desejavam ser felizes.

    Como a felicidade não está nas vitrines, a ostentação da riqueza é usada como peneira para tampar o sol da tristeza. As desilusões, os fracassos estão nas derrotas das lutas travadas dentro de si. A maior vitória é a que nos faz erguer a cabeça sem peso na consciência.

    Ultimamente estamos assistindo ao desmoronamento de algumas máscaras. Estão sendo desvelados falsos perfis de hombridade que se ergueram sobre pilares que usurpam a boa fé do povo, explorando-a em benefício próprio.

    A queda pela decepção pode provocar danos irreversíveis. Embora seja raro, ainda há quem valorize os princípios morais. É admirável ver alguém construindo uma trajetória de vida fundamentada na ética, na honestidade, no respeito ao outro, sem uso de meios ilícitos para ter um “lugar ao Sol”. É possível erguer-se sem puxar tapetes e sem esconder nada debaixo deles.

    A lei da sobrevivência é primitiva. A fome ainda não se modernizou, continua no primarismo. Por isso que os primatas buscam as tetas. O “self-made”, feito por si, deve reconhecer, pelo menos, o colo que o acalentou antes de sentir-se um homo sapiens. É bom reconhecer o trabalho de quem transpirou e deixou o suor pelo caminho para diminuir a poeira sobre quem vem pela mesma trilha. Viver ainda continua muito perigoso.

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