Marcus Pereira vira tema de programas
A história de Marcus Pereira e muitas das histórias que sua busca obstinada por registrar a música do Brasil de todos os cantos produziu serão tema da série documental Discos Marcus Pereira: O Mapa Musical do Brasil, que será exibida a partir desta terça, 10, pela Rádio Cultura Brasil, às 17h, com reapresentação no dia 15, às 11h, e pela Cultura FM, dia 22, às 20h. A Cultura pode ser sintonizada, além dos 77,9 MHz e 1200 KHz, pelo aplicativo Cultura Digital ou pelo site culturafm.com.br.
Por mais de dez anos, o publicitário que deixou sua agência para se tornar pesquisador produziu e lançou álbuns, por sua companhia Discos Marcus Pereira, que trouxeram expressões musicais originárias ou o mais perto disso encontradas nas regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Marcus, chamado por próximos como o “Tinhorão dos estúdios”, uma referência ao crítico adepto de uma valorização territorial inegociável, morto no último dia 3, deixou mais de 140 LPs gravados por artistas localizados depois de muita pesquisa.
A série revela não só o trabalho de Marcus, morto em 1981 por complicações depois de tentar tirar a própria vida com um tiro, como também o de sua viúva, a jornalista Carolina Andrade, que colaborou com os depoimentos trazendo histórias valiosas. Carolina, com uma memória vivaz até do que testemunhou há mais de 40 anos ao lado do homem com quem teve dois filhos e com quem foi casada por uma década, trabalhou na gravadora fazendo pesquisas e indo a campo para encontrar manifestações que iam do bumba meu boi do Maranhão às tradições do Rio Grande do Sul. Em entrevista ao Estadão, Carolina não apenas relata, mas traz emoção em uma narrativa cheia de frescor e detalhes visuais. A série vai exibir também depoimentos de outros agentes da história, como o compositor Marcus Vinícius, a filha Luciana Pereira, o cantor e compositor Renato Teixeira, a sambista Leci Brandão e o fundador e integrante do Quinteto Violado, Marcelo Melo.
A saga de Marcus começa quando ele ainda estava ligado ao sócio Aluízio Falcão em uma agência de publicidade, no início dos anos 1970. Assim, os LPs surgem da ideia de presentear os clientes com música. Um dos regalos tratava-se de uma coleção sobre a música do Nordeste, a semente do que estava por vir.
“Marcus começava sua pesquisa procurando ouvir especialistas nas regiões”, lembra Carolina. “Quando estuda o Nordeste, vai ao brilhante Hermilo Borba Filho.” É Hermilo quem faz a ponte com o Quinteto Armorial, a enriquecedora tradução sonora das lógicas transregionais de Ariano Suassuna.
Marcus sabia que precisava de nomes fortes que pudessem avalizar midiaticamente o folclorismo que desvendava. Assim, trouxe Nara Leão para gravar na coleção que trazia composições típicas do Sudeste, o próprio Quinteto Armorial para o LP sobre o Nordeste, a cantora de Belém do Pará chamada Jane Vaquer, futura Jane Duboc, para o álbum do Norte e a gaúcha Elis Regina para o disco sobre o Sul. A passagem de Elis pelo estúdio para gravar quatro músicas, Alto da Bronze, Porto dos Casais, Boi Barroso e Os Homens de Preto, deixou Carolina impressionada. “Ela colocou a voz de primeira, depois de ouvir o playback das músicas apenas uma vez.”
Outras histórias vividas por Carolina e Marcus não devem aparecer no especial, por falta de tempo, mas aqui vão duas delas. Quando pesquisavam sobre a musicalidade de Santa Catarina, Carolina localizou uma manifestação enquanto buscava por resquícios dos cantos de trabalho na região. Ajudada por um grupo de pesquisadores gaúchos, encontrou vestígios de uma turma de mulheres rendeiras que cantavam durante seus ofícios. Mas Carolina e Marcus chegaram tarde. O grupo não existia mais e o motivo de seu desaparecimento provou a fragilidade da presença física do folclore. “As mulheres rendeiras de Santa Catarina desapareceram porque deixaram de se reunir a partir da estreia de uma novela da Globo que fez muito sucesso à época. Um evento tecnológico acabou com o folclore na região”, diz Carolina.
Outro triste apagamento ocorreu com o fandango do Paraná. Grupos de homens “batiam o fandango” vestindo tamancos que eles mesmo faziam, tocando rabecas escavadas em troncos de madeira e se alimentando com o barreado, uma carne cozida em panela de barro selada por uma farinha de trigo – ou seja, uma cultura sedimentada e original. Mas eles também deixaram de praticar seus encontros desde que uma seita religiosa norte-americana chegou à região. Mensageiros passaram a oferecer tratamento dentário aos fandangueiros desde que eles nunca mais praticassem tais “profanações”. Carolina mostra no programa um áudio raro que sua aventura ao lado de Marcus conseguiu captar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.